Por que ainda escrevo?


O silêncio é o fator que mais me preocupa na hora de escrever. Não falo de escrever matérias jornalísticas. O hábito da redação, sempre barulhenta e cheia de gente, permite que eu aplique a técnica e entregue o texto sem me preocupar com malabarismos estilísticos. O problema se dá quando tenho que redigir algo mais bem elaborado. Na hora de escrever um ensaio, uma crônica, um conto, ou qualquer outra coisa que fuja do lead, dou preferência para um lugar isolado. O barulho da TV, gente conversando, cachorro latindo, música tocando, tudo isso me desconcentra.

Eu até consigo escrever assim, mas me torno mais lento, meus pensamentos fogem com uma frequência maior. A escrita, para mim, sempre foi algo intimista. Mesmo quando escrevo para um público maior penso num tipo de leitor ideal. Idade aproximada, bagagem cultural aproximada. É como se, na verdade, eu estivesse escrevendo para os amigos. Por causa disso sempre lembro de um trecho de Três Alqueires e uma vaca, livro do Gustavo Corção que em certo momento diz:

“Foi Stevenson que assim escreveu: ‘Cada livro é, num sentido profundo, uma carta particular aos amigos do escritor. Somente eles apreendem a significação inteira, descobrem a notícia íntima, as afirmações de amor, as expressões de gratidão, espalhadas para eles em cada linha. O público é apenas o generoso patrocinador que se incumbe das despesas postais.’ Por aí se vê que a ideia não é nova, nem minha. Discordo porém de Stevenson no ponto em que ele exclui a possibilidade de uma compreensão geral e comum.”

Acho que eu sempre fui assim, mesmo quando escrevo matérias jornalísticas tenho em mente alguém ou algum grupo específico. O problema é que a maioria deles não lê o que escrevo.

Vez por outra até envio para alguém um texto qualquer que acabei de escrever. A resposta é sempre um ‘legal’, que demonstra que o indivíduo não leu ou não entendeu. Não há problema, escrevo porque a necessidade assim me obriga.

Recordo-me de uma famosa entrevista que a escritora Rachel de Queiroz deu a uma jornalista sobre suas preferências. Quando Rachel lhe confirmou que preferia o jornalismo à literatura, a jornalista perguntou, perplexa, por que ela continuava com a literatura. Rachel perguntou: “você já pariu? ”, a jornalista respondeu de forma negativa e a escritora concluiu: “Quando se fica grávida é imperativo parir”.

José Fagner Alves Santos

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