“Primeira Pessoa do Singular”: A reflexão sobre a vida, a memória e a imaginação na obra de Haruki Murakami



O cotidiano de nossas vidas pode ser tão interessante quanto a sucessão de dias que compõem a vida de um renomado escritor. Basta olharmos atentamente e recorrermos aos olhares privilegiados que todo bom leitor desenvolve na medida em que avança por entre os vastos limites do mundo literário.

A obra “Primeira Pessoa do Singular”, de Haruki Murakami, é uma coletânea de oito contos que exploram temas como sonhos, fenômenos inexplicáveis e música. Com sua escrita simples, bem-humorada e reflexiva, recheada dos pensamentos que surgem ao revisitar antigos acontecimentos, o livro nos convida a certa aproximação da vida de um escritor que, quilômetros e quilômetros distante, poderia transformar-se em mero desconhecido contornado por características surpreendentes.

Nos oito textos que constituem as 168 páginas deste livro, retornaremos ao passado e acompanharemos detalhes e memórias ligadas ao caso de uma única noite do suposto misterioso narrador. Conheceremos a relação do escritor com os clássicos do Jazz ou a famosa banda inglesa The Beatles, e as maneiras como elementos facilmente identificáveis por leitores de todo mundo, adquirem contornos pessoais devido as experiências e relatos que somente Murakami poderia descrever, pois são lembranças guardadas durante anos em sua memória.

E, como na vida, ninguém sabe quando reencontrarei as convidativas e aconchegantes palavras do senhorzinho japonês. A vida dá muitas voltas e nunca sabemos onde ela pode nos levar, afinal, quando autores nos oferecem a mão para um passeio, a única resposta é “sim” e a única certeza é de que devemos aproveitar o momento até o fim, torcendo para que, em breve, ele possa se repetir!

Em “Primeira Pessoa do Singular”, Murakami cria uma trama na qual uma resenha musical fictícia, que inventa um álbum jamais lançado, traz consequências factuais, eventualmente materializadas em um LP encontrado na prateleira de uma loja. O autor brinca com a tensão entre o factual e o imaginário, questionando se a própria ficção literária poderia ser objeto de acusações, como brincadeira de mau gosto ou blasfêmia irresponsável.

A obra é uma forma produtiva de encarar a experiência de produzir e ler ficção, pois se a cada instante só podemos escolher um dos caminhos que se abrem para nós, como poderemos exercer a vocação humana de testar possibilidades, se não inventando outras vidas? Murakami estende a questão: será real apenas aquilo que colocamos em prática, ou tudo aquilo que imaginamos —e que exerce certo efeito sobre nós— também conta como a realidade do que somos?

E assim, por entre os altos e baixos do time de beisebol Yakult Swallows ou peculiaridades de um senhorzinho japonês que sai de terno em períodos específicos de sua vida para ler e beber consigo mesmo, percebemos que nossos escritores preferidos não passam de pessoas como nós, com seus cotidianos curiosos, suas memórias adoráveis e ensinamentos preciosos delimitados pelas páginas impressas de um livro. Primeira Pessoa do Singular é a expressão da similaridade de nossas vidas nas inusitadas diferenças que as tornam única e exclusivamente nossas. É a materialização em palavras do quanto somos parecidos em nossas vivências, ainda que tão diferentes em nossas personalidades, pensamentos e lembranças.

Se você gostou de “Primeira Pessoa do Singular”, pode se interessar por outras obras de Haruki Murakami, como “Kafka à Beira-Mar”, “Sputnik, Meu Amor” e “Minha Querida Sputnik”. A obra de Murakami é uma reflexão sobre a vida, a memória e a imaginação, que nos convida a refletir sobre a complexidade da existência humana.

José Fagner Alves Santos

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