Resenha: O perigo de estar lúcida


O Perigo de Estar Lúcida” é um livro que, à primeira vista, pode parecer um compêndio sobre o contágio entre loucura e criatividade. No entanto, a obra de Rosa Montero é muito mais do que isso. A narradora, que é também a autora, se lança numa jornada impulsionada pelos estudos da psicologia e da neurociência para a composição de um romance sobre “a magnífica família dos nervosos”. Ao longo do texto, a trama revela um inventário de autores em sofrimento psíquico e constrói um caminho de escuta e afetação que vai tomando feição de uma preciosa herança que vamos ganhando posse no transcorrer da leitura.

A voz narrativa não hesita diante da conversão em texto ficcional, de suas próprias memórias das crises de pânico, na adolescência e juventude, e de seu luto e melancolia pela perda do companheiro. Montero conclama para si a tarefa de fazer uma autópsia invertida da criatividade, um movimento para desmistificar e remitificar, em uma perspectiva menos sagrada e sensacionalista, figuras como Scott Fitzgerald, Charles Bukowski, as irmãs Bronte, Virginia Woolf, Laura Albert, Emily Dickinson, entre outros.

A obra mescla características do gênero ensaio e da prosa autoficcional que faz lembrar mais os romances de dicção pós-moderna, como os de David Marskon, do que um objeto cultural informativo. “O Perigo de Estar Lúcida” é um projeto estético que merece ser lido com atenção e apreciado por sua sensibilidade e originalidade.

O romance não abranda os impactos do patriarcado e das instituições psiquiátricas nos mundos das escritoras que povoam o livro. Escancara o custo corpóreo, que é também subjetivo, de autoras como a poeta italiana Alda Merini, estigmatizada pela bipolaridade e por sua liberdade comportamental, e a neozelandesa Janet Frame, salva de uma lobotomia por um livro que é premiado enquanto ainda estava internada. Frame, que recebeu um diagnóstico equivocado de esquizofrênica, é umas das artistas que a calibragem historiográfica do texto recupera e apresenta sem baratear a emotividade suscitada pela sua jornada.

Das múltiplas camadas sensoriais que compõem a força da obra, destaca-se a peregrinação narrativa de Montero para alcançar o mundo acossado pela loucura e pelo desejo de escrita de Sylvia Plath. Outro ponto alto é o relato da narradora sobre o encontro com uma baleia na costa oeste do Canadá.

Essas imagens são exemplos de uma trama textual encantatória responsável pela comunicação do nosso corpo e seus neurotransmissores com um extenso legado de alteridade. Enfim, a literatura em seu giro e promessa de criatividade.

É memorável, em sua espessura de concretude material, visual e olfativa, a descrição de Montero diante da jubarte. “Começou a passar um arco imenso de carne, uma carne que na verdade parecia borracha, uma parede viscosa cheia de aderências, de algas e crustáceos; e pouco depois passou o olho, um olho gigantesco que surgiu da água, percorreu todo o arco e afundou de novo no oceano, aquele olho assustador que nos olhava. Especificamente: que me olhou e me viu.”

Se você é um amante da literatura e da psicologia, não deixe de conferir essa obra incrível de Rosa Montero. Você pode adquirir o livro por R$ 74,90 (272 págs.) ou o ebook por R$ 49,90. Aproveite!

José Fagner Alves Santos





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