O Incômodo do Silêncio


Vou começar com uma constatação pouco festiva: o fim do ano tem o estranho talento de expor aquilo que passamos meses inteiros evitando. Não porque o Natal tenha algum poder místico especial, mas porque a rotina — essa engenhosa invenção moderna para nos manter distraídos — sofre uma interrupção temporária. E, quando o ruído cessa, mesmo que por poucos dias, algo inconveniente acontece: somos deixados a sós conosco.

As crises existenciais que emergem nas festas não são acidentes psicológicos nem falhas de caráter. São efeitos colaterais previsíveis de uma vida organizada para evitar o silêncio. Durante o ano, aprendemos a nos mover continuamente: metas, prazos, mensagens, obrigações. O movimento constante cria a ilusão de direção. Confundimos atividade com sentido, ocupação com realização. Quando esse sistema desacelera, o vazio aparece — não como ausência, mas como pergunta.

A modernidade prometeu libertar o indivíduo. O resultado, em grande parte, foi deixá-lo sem abrigo simbólico. Perdemos narrativas comuns que organizavam o sofrimento, o amor, a perda e a passagem do tempo. Em troca, ganhamos entretenimento, consumo e a ideia persistente de que a felicidade é um projeto pessoal mal executado. No Natal, essa crença se torna particularmente cruel: se tudo conspira para a alegria e ela não vem, o problema só pode estar em você.

As famílias, reunidas à mesa, sentem o peso dessa contradição. Não porque faltem boas intenções, mas porque muitas relações sobrevivem apoiadas em pactos frágeis: rotinas funcionais, cordialidade disciplinada, lembranças seletivas. Quando a convivência se intensifica, essas estruturas revelam sua precariedade. Descobre-se, às vezes com espanto, que é possível administrar uma vida em comum sem jamais tocar o centro dela.

A tristeza que surge nesse contexto costuma ser tratada como uma falha a ser corrigida rapidamente. O mercado oferece soluções prontas: mais estímulo, mais consumo, mais distração. Mas a tristeza persistente raramente é um erro de funcionamento. Com frequência, é um sinal de lucidez. Ela indica que algo essencial foi negligenciado por tempo demais. Ignorá-la é fácil; compreendê-la exige coragem.

Religiões tradicionais responderam a esse mal-estar oferecendo uma estrutura de sentido que transcende o indivíduo. O cristianismo, por exemplo, interpreta o Natal como a lembrança de uma distância — entre o que somos e o que deveríamos ser — e, ao mesmo tempo, como a promessa de reconciliação. Mesmo para quem não partilha dessa fé, é difícil negar a força simbólica da ideia: a vida humana é marcada por uma insuficiência estrutural que não se resolve com ajustes superficiais.

O problema contemporâneo não é apenas a falta de respostas, mas a recusa em formular perguntas incômodas. Preferimos explicações rápidas a investigações honestas. Nesse ponto, práticas antigas como a leitura atenta e a escrita reflexiva mantêm um valor inesperado. Elas não curam, não salvam, não prometem redenção. Mas oferecem algo mais raro: clareza. Um bom livro não consola; ele nomeia. E aquilo que pode ser nomeado perde parte do seu poder de nos governar às cegas.

Escrever, por sua vez, é um ato de resistência contra a autoilusão. Ao tentar dar forma às próprias inquietações, o indivíduo se vê obrigado a confrontar contradições que normalmente varreria para debaixo do tapete da pressa. Não é um exercício terapêutico no sentido leve do termo; é uma investigação moral, frequentemente desconfortável.

Se o Natal provoca tristeza, talvez valha a pena suspender o impulso de eliminá-la. Tratar esse sentimento com respeito pode revelar que ele não é um inimigo, mas um mensageiro. Ele aponta para a distância entre a vida que se vive e a vida que, em algum nível, se reconhece como necessária.

Não há garantias de que esse reconhecimento leve a soluções duradouras. A condição humana não funciona assim. Mas há uma diferença significativa entre viver anestesiado e viver atento. Talvez isso seja o máximo que podemos esperar: menos ruído, menos ilusões de progresso moral, mais paciência com nossos limites reais.

Que o próximo ano não seja melhor no sentido ingênuo da palavra, mas mais lúcido. Menos disperso, menos confiante em promessas fáceis. Um ano em que se troque um pouco de entretenimento por compreensão — e um pouco de pressa pela rara coragem de permanecer diante do que não se resolve.

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