Pensamento negro e a arrogância dos muros brancos

Quem lê o artigo “Intelectualidade insurgente”, de Juliana Borges, publicado na coluna Perspectiva Amefricana da revista Quatro Cinco Um, percebe logo de início um incômodo antigo, desses que a gente sente quando entra em certos ambientes e sabe que está sendo observado. É sobre o que se espera — ou se recusa a reconhecer — como produção legítima de saber. Borges aponta o dedo para um velho hábito da intelectualidade branca brasileira: o de só reconhecer o pensamento negro quando ele se encaixa em molduras bem delimitadas. De preferência, quando está quieto, obediente e servindo de citação.

A partir da leitura de Partindo o pão: vida intelectual negra insurgente, livro que reúne conversas entre bell hooks e Cornel West, Borges costura um comentário que vai muito além da obra. O que ela faz é tocar num ponto que incomoda: o da negação sistemática da experiência negra como fonte de pensamento estruturado. Ainda hoje, quando uma pessoa negra fala com autoridade sobre política, estética ou espiritualidade, muita gente pergunta: “mas qual é a sua formação?”. Quando a mesma pessoa conta parte de uma vivência coletiva, periférica, comunitária, aí vira "militância". Como se saber fosse algo que só existisse dentro de cátedras, arquivos e bancas de doutorado.

hooks e West discutem com paixão, em tom de mesa de bar e com a intimidade de quem já sofreu os mesmos ataques: como manter a integridade intelectual num mundo que exige performance, como pensar com profundidade sem perder as raízes, e como dialogar com o povo sem ser cooptado pela lógica da celebridade. Borges não trata isso com reverência acadêmica — ela olha nos olhos dos leitores e diz, com todas as letras, que o Brasil ainda não aprendeu a escutar seus pensadores negros. Ou melhor: escuta, mas só quando eles falam aquilo que o sistema está disposto a ouvir.

O texto é curto, mas afiado. Não oferece respostas prontas, mas aponta caminhos. Principalmente, o da escuta que não seja piedosa, nem curiosa, mas comprometida. E o da valorização de uma produção intelectual que nasce da experiência vivida, do enfrentamento diário com a estrutura racista, e que se recusa a ser domesticada por fórmulas acadêmicas que não lhe servem.

Não é sobre dar espaço. É sobre reconhecer que o espaço já foi ocupado — com luta, com corpo, com palavra — e que está mais do que na hora de derrubar os muros que fingem não ver.

O artigo completo está disponível no site da Quatro Cinco Um. Vale a leitura.

José Fagner Alves Santos

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