Um olhar cético sobre envelhecer, fracassar e prosseguir — mesmo quando a vida insiste em não oferecer sentido algum
A leitura do ensaio Eu, um velho, de Roger Angell, caiu sobre mim como caem certas verdades incômodas: tarde demais para serem evitadas, cedo demais para serem recebidas com serenidade. Angell descrevia a velhice com a naturalidade brutal de quem já não precisa se justificar. Eu, ainda prestes a completar 35 anos, percebi que aquele texto não era sobre ele — era sobre mim. A lombar doendo, o desejo rarefeito, as noites partidas ao meio por despertares abruptos — tudo ali era uma espécie de prelúdio fisiológico daquilo que viria a ser, mais cedo ou mais tarde, a derrocada silenciosa do corpo.
Nietzsche dizia que “a maturidade do homem consiste em reencontrar a seriedade que tinha quando criança ao brincar”. Nada me parecia mais distante. Eu acordava pensando que havia fracassado nos pontos decisivos da vida, imaginando que mais de noventa por cento dos meus sonhos — tão vibrantes na juventude — jamais se realizariam. Não por tragédia, mas por estatística. A idade já tinha passado, a chance já tinha passado; eu estivera enclausurado no interior da Bahia, afastado daquilo que se costuma chamar de “o mundo”. Reconhecer isso não me trouxe iluminação alguma; apenas a fria compreensão de que ajustar expectativas não é sabedoria, mas sobrevivência.
Relembro tudo isso hoje porque a mãe de um grande amigo morreu. Um desses poucos que a vida nos permite chamar de irmão. E, como sempre, chega-se à notícia com a incompetência emocional que nos caracteriza: nunca estamos prontos. Não sei se visito ou recuo, se escrevo algo ou me calo. O sofrimento alheio é, como lembrou Kafka, “uma porta diante da qual só se pode bater do lado de fora”. E não há protocolo que resolva essa assimetria.
Mas a morte dela, como tantas mortes, acendeu outra percepção: estamos avançando na fila. Sucedemos nossos pais quase sem notar. Tornamo-nos, sem aviso, a geração mais velha. Não tenho filhos, mas já estou próximo da terceira idade. Os jovens agora são os filhos dos meus amigos — essa é a nova régua da passagem do tempo. A vida não só passou; passou por mim como um trem expresso enquanto eu ainda procurava a plataforma.
Alguns acham impressionante o pouco que alcancei. O comentário é sincero, mas errado. Eu queria muito mais. O saldo é essa sensação difusa de transitoriedade, de impotência, de ausência de significado — o mesmo vazio que Camus reconhecia quando dizia que “não há destino que não se vença pelo desprezo”. O problema é que não cheguei ao desprezo; cheguei apenas ao cansaço.
E talvez seja somente isso. Como escreveu Philip Larkin, poeta que entendia o envelhecer com desconfortável clareza, “o que restará de nós é o amor”. Mas a cética experiência humana — aquela que John Gray jamais nos deixaria romantizar — sugere algo ainda mais árido: o que resta de nós é o intervalo entre um desaparecimento e outro.
E é aqui que a catarse se insinua, não como consolo, mas como lucidez: a vida não tem sentido, nunca teve. É justamente por isso que ela nos obriga a caminhar. Somos criaturas que envelhecem, perdem, falham, e ainda assim continuam — não por esperança, mas porque parar seria apenas antecipar o fim.
Talvez a vida seja isso: um breve lampejo entre duas noites. E, ao aceitarmos isso sem medo, tudo aquilo que parecia perda absoluta se revela, enfim, como liberdade.

Postar um comentário