O livro revela o paradoxo central da modernidade tardia: quanto mais livres nos imaginamos, mais escravos nos tornamos — de objetos, de status, de narrativas. O luxo, no Brasil como em qualquer outro lugar, é apenas a forma mais visível dessa servidão voluntária. Não é o dinheiro que move a elite, mas o desejo de provar — a si mesma e aos outros — que pertence a um mundo inexistente. Em um país sem aristocracia, a riqueza não legitima: apenas denuncia o desespero por significado.
Ao se infiltrar nas casas e jantares dos ricos, Alcoforado descreve uma economia simbólica que já não tem nada a ver com sobrevivência material. A competição por bolsas medonhas, viagens redundantes e gestos de falsa sofisticação não é sobre prazer — é sobre identidade. O que está em jogo é a tentativa de escapar da banalidade da vida comum, e de inventar um sentido onde o sentido se evaporou.
Mas, como todo hedonismo sistematizado, essa busca é autodestrutiva. O antropólogo mostra, com ironia, que nenhum dos “ricos” se reconhece como tal. O outro é sempre o verdadeiro rico — mais seguro, mais legítimo, mais “de dentro”. É a lógica do capitalismo emocional: o desejo de possuir é inseparável do medo de não ser o bastante. Por isso, o luxo não traz repouso; traz ansiedade. A riqueza não gera estabilidade; gera vulnerabilidade. É o mesmo impulso que move o novo-rico brasileiro e o executivo de Wall Street: uma fuga constante daquilo que são.
Alcoforado, talvez sem a intenção filosófica, toca no tema que define nosso tempo — a tentativa de substituir a natureza humana por engenharia social e estética. A elite brasileira acredita que pode redesenhar-se pela aparência, pelo consumo e pelos códigos de “bom gosto”. É a mesma ilusão iluminista que transformou a promessa de progresso em uma corrida pelo vazio. No fundo, o luxo é apenas mais uma versão do mito moderno da salvação — a crença de que podemos transcender nossa condição por meio de escolhas de mercado.
O que Coisa de rico revela, portanto, é menos sobre os ricos do que sobre o projeto moderno em ruínas. O antropólogo não descreve aberrações isoladas, mas sintomas de uma cultura que perdeu o senso do trágico. O homem moderno — com ou sem dinheiro — já não sabe morrer, tampouco viver. Substituiu o destino pela autoexpressão e a comunidade pela exibição.
Em última análise, os milionários de Alcoforado são apenas versões caricaturais do ser humano contemporâneo: criaturas errantes em busca de significado em um mundo que já não o oferece. Eles acreditam possuir o controle de suas vidas, mas são movidos por forças — tecnológicas, psicológicas, simbólicas — que mal compreendem.
O livro é divertido, sim, mas também melancólico. Pois mostra que, mesmo na ostentação mais ruidosa, persiste o silêncio fundamental de uma espécie que já não sabe o que quer.
Os ricos brasileiros vivem cercados de ouro, mas padecem da mesma pobreza espiritual que todos nós — a pobreza de sentido em um mundo que fez da liberdade um produto e do desejo, uma prisão.

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