Quando o fim não acontece, algo se quebra de forma mais silenciosa. Não é o mundo que entra em colapso, mas a confiança na própria espera. O cristianismo precisou aprender isso cedo. A geração que acreditava que veria o retorno iminente de Cristo morreu sem testemunhar nada além da continuidade banal do sofrimento. A escatologia não foi refutada; foi adiada. O adiamento tornou-se permanente, e a exceção converteu-se em norma. A partir daí, viver passou a significar habitar uma promessa em ruínas.
Esse estado — viver depois de um fim que não veio — é a condição psicológica da modernidade tardia. Herdamos expectativas grandiosas e instrumentos poderosos, mas não herdamos uma razão convincente para usá-los. O progresso, outrora inevitável, tornou-se incerto. A redenção histórica, antes garantida, transformou-se em slogan. O futuro continua a ser invocado, mas já não convence inteiramente nem mesmo os que o proclamam.
Paulo jamais concebeu essa situação. Sua fé exigia urgência. Um cristianismo sem fim iminente seria, para ele, uma contradição. No entanto, foi exatamente esse cristianismo diluído que triunfou: um sistema capaz de sobreviver à frustração de sua própria profecia central. Ao fazê-lo, ensinou ao Ocidente uma lição decisiva: uma crença não precisa cumprir suas promessas para dominar uma civilização. Basta estruturar seus desejos.
As ideologias modernas aprenderam bem essa lição. Cada fracasso é interpretado como etapa. Cada desastre, como confirmação. A promessa se afasta à medida que o caminho se alonga. O fim permanece sempre à frente, como miragem. E, como toda miragem, é mais poderosa à distância do que de perto.
O resultado não é esperança, mas exaustão. Uma humanidade cansada de esperar, mas incapaz de desistir da espera. A lucidez, quando surge, é breve e desconfortável. Ela sugere que talvez não haja conclusão, nem síntese, nem redenção — apenas continuidade. Essa ideia não inspira movimentos, nem revoluções, nem fé. Por isso é rapidamente descartada.
Gray não propõe substitutos. Seu ceticismo não é um novo sistema, mas uma recusa. Recusa-se a acreditar que a história tenha aprendido algo. Recusa-se a ver na tecnologia um antídoto para a natureza humana. Recusa-se, sobretudo, a transformar o sofrimento em etapa de um plano maior. Para ele, a condição humana não é um problema a ser resolvido, mas um fato a ser suportado.
O paulinismo, nesse sentido, foi uma recusa ainda mais radical — mas em direção oposta. Recusou-se a aceitar o mundo tal como é e apostou tudo em sua superação iminente. Essa aposta falhou, mas deixou rastros profundos. Vivemos entre eles. Cada vez que alguém fala em “momento decisivo da humanidade”, ecoa uma voz antiga. Cada vez que se promete que esta será a última crise antes da solução final, repete-se um gesto aprendido há dois mil anos.
Talvez o desencanto contemporâneo não seja sinal de decadência, mas de saturação. Saturação de promessas não cumpridas. Saturação de futuros que nunca chegam. Saturação de narrativas que exigem sacrifícios constantes sem oferecer descanso. Se há alguma sabedoria possível nesse cansaço, ela não aponta para um novo fim, mas para a aceitação da ausência dele.
Isso não nos salvará. Não nos tornará melhores. Não impedirá desastres. Apenas nos livrará de uma superstição persistente: a de que a história nos deve alguma coisa. Paulo acreditou que o mundo estava prestes a ser julgado. O mundo continuou. Nós acreditamos que ele precisa ser corrigido. Ele continuará também. A diferença é que já não podemos alegar surpresa.
Nada indica que aprenderemos a viver sem fins últimos. Mas talvez possamos, ao menos, reconhecer o custo de insistir neles. O erro que venceu moldou tudo à sua imagem. Sobreviveu às religiões, às ideologias e às críticas. Continua operando sempre que confundimos desejo com destino. O fim do mundo não veio. O que veio foi algo mais difícil de suportar: a necessidade de viver sem ele.

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