O Fetiche do Saber Superficial: Por que acumular interesses não é aprender

Entre a disciplina silenciosa do aprendizado profundo e a ansiedade de parecer intelectual, cresce uma geração refém do conhecimento fragmentado.



Uma das marcas mais evidentes da decadência intelectual contemporânea não é a ignorância pura e simples, mas algo muito mais grave: a simulação do saber. O ignorante honesto, que reconhece seus limites, ainda está a um passo da verdade. Já o simulador, esse está perdido — porque substituiu o amor à verdade pelo culto à própria imagem.

Vivemos a era do conhecimento ornamental. As pessoas não estudam para compreender, mas para ostentar. Não buscam a transformação interior que o verdadeiro aprendizado impõe; buscam apenas os sinais externos de pertencimento a uma casta imaginária de “iluminados”. Acumulam leituras como quem coleciona selos, idiomas como quem coleciona souvenires, conceitos como quem empilha móveis inúteis numa casa sem alicerces.

O resultado é um intelecto inflado e uma consciência oca.

O verdadeiro conhecimento é hierárquico. Ele exige ordem, continuidade e submissão a algo maior que o próprio ego. Não se aprende tudo de uma vez porque o espírito humano não foi feito para a dispersão infinita. A inteligência cresce como uma árvore: raiz, tronco, galhos. Quem tenta cultivar apenas folhas acaba com um monte de lixo seco nas mãos.

Mas a mentalidade moderna odeia hierarquias. Ela prefere a simultaneidade caótica, o “um pouco de tudo”, o eterno recomeço que nunca chega a lugar algum. Esse comportamento não é sinal de curiosidade intelectual — é medo. Medo de se comprometer com um caminho, medo de descobrir que talvez não se seja tão brilhante quanto se imaginava, medo do julgamento silencioso da realidade.

Porque a realidade julga. Sempre.

Aprender uma disciplina seriamente significa aceitar anos de anonimato, de esforço invisível, de frustração. Significa reconhecer que alguém sabe mais do que você — e isso é intolerável para uma geração educada na idolatria da própria opinião. É por isso que tantos preferem a dispersão: ela oferece a ilusão de progresso sem o risco da obediência.

O sujeito que hoje estuda japonês, amanhã toca violão e depois se aventura no piano não está em busca de conhecimento — está fugindo de si mesmo. Cada novo interesse funciona como um anestésico temporário contra a angústia de não ser nada em particular. Ele não quer aprender; quer adiar indefinidamente o momento do confronto com sua própria mediocridade.

E aqui reside o ponto central: o verdadeiro fracasso não está em saber pouco, mas em jamais ter levado nada até o fim.

Não existe pensamento sem continuidade, não existe caráter sem disciplina, não existe cultura sem sacrifício. A erudição autêntica nasce do silêncio, da solidão e da paciência — três coisas que o homem moderno detesta. Ele prefere o barulho, a exibição e o entusiasmo passageiro.

Por isso florescem as seitas do pensamento mágico, do “universo conspirador”, da positividade vazia. São sistemas de crença desenhados sob medida para absolver o indivíduo de qualquer responsabilidade real. Se nada dá certo, a culpa é das energias, dos bloqueios invisíveis, do mundo hostil — nunca da própria indisciplina.

Mas a verdade permanece indiferente às fantasias humanas. Ela exige preparo. E quem não aceita pagar o preço do conhecimento acaba pagando algo muito mais caro: uma vida inteira de projetos inacabados, talentos desperdiçados e ressentimento silencioso.

O homem sério escolhe um caminho e o percorre até onde for capaz. O farsante intelectual escolhe muitos caminhos para nunca ter que responder por nenhum deles.

No fim, a distinção é simples — e cruel: uns vivem para saber; outros vivem para parecer que sabem. E a realidade, como sempre, não confunde um com o outro.


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