Chega-se a um ponto, após remover uma a uma as camadas de sentido herdadas, em que não resta mais nada a interpretar. Apenas o fato bruto de estar vivo. Como condição. Tudo o que antes parecia mistério revela-se hábito; tudo o que parecia revelação, técnica; tudo o que parecia transcendência, sobrevivência narrativizada. O efeito não é libertador. É exaustivo.
A expectativa de que a crítica conduza a uma forma superior de existência é, ela mesma, uma superstição tardia. O pensamento não redime. O esclarecimento não cura. A lucidez não melhora o mundo nem torna o indivíduo moralmente superior. No máximo, retira dele a desculpa de não saber. E mesmo essa retirada tem pouco efeito prático, pois os seres humanos raramente agem com base no que sabem.
O desencantamento não inaugura uma nova era; apenas encerra uma ilusão. O vazio que se abre depois não é um espaço a ser preenchido, mas um dado a ser suportado. Aqueles que tentam preenchê-lo com novos absolutos — humanidade, razão, justiça histórica, identidade — apenas repetem o gesto religioso sob outro disfarce. Mudam os nomes, preservam a fome.
A história do pensamento ocidental pode ser lida como uma sucessão de tentativas de negar essa condição. Primeiro, por meio de deuses; depois, por meio de sistemas; agora, por meio de subjetividades hipertrofiadas. Em todos os casos, a promessa é a mesma: existe um lugar, um estado, um alinhamento correto a partir do qual a vida fará sentido. E em todos os casos, a promessa falha do mesmo modo.
Nada vem depois da queda das grandes narrativas, exceto a insistência em erguer narrativas menores. Mais frágeis, mais provisórias, mais cientes de sua artificialidade — mas narrativas, ainda assim. O ser humano não suporta viver sem histórias. O máximo que o ceticismo pode oferecer é a recusa de confundir essas histórias com verdades últimas.
A catarse, se existe, não está na revelação de um sentido oculto, mas na aceitação de sua ausência. Não como gesto heroico, nem como vitória intelectual, mas como rendição silenciosa. O mundo não precisa ser justificado. A vida não precisa ser explicada. O sofrimento não exige legitimação metafísica. Ele acontece. Sempre aconteceu.
Quando se abandona a esperança de reconciliação, algo paradoxal ocorre: o peso diminui. Não porque as coisas melhorem, mas porque deixam de carregar expectativas indevidas. Não se exige mais do mundo aquilo que ele nunca prometeu oferecer. Não se cobra da história aquilo que ela nunca entregou. Não se espera da existência aquilo que nenhuma narrativa conseguiu garantir.
O ceticismo pleno não conduz à paralisia, mas à modéstia. Ele não proclama verdades, não convoca cruzadas, não promete futuros. Limita-se a observar que a maior parte do sofrimento humano foi produzida por certezas excessivas — religiosas, morais, políticas. E que talvez o único progresso possível seja aprender a viver com menos convicção.
Nada disso torna a vida mais significativa. Torna-a apenas mais honesta. E essa honestidade não consola, não eleva, não salva. Ela apenas remove o ruído. O silêncio que resta não é profundo, nem sagrado. É simplesmente o mundo, sem intérpretes privilegiados, sem testemunhas finais, sem “nós” que garantam pertencimento.
É nesse ponto — e apenas nele — que a investigação termina. Não porque tenha encontrado respostas, mas porque esgotou as perguntas que prometiam demais. O que permanece não é fé nem negação, mas uma forma de atenção despojada, incapaz de acreditar plenamente, incapaz também de fingir que isso seja uma perda trágica.
Nada foi revelado. Nada foi resolvido. E, ainda assim, é possível seguir vivendo. Não apesar disso, mas exatamente por isso.
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