Safira sumiu




Tenho acordado por volta das cinco e meia da manhã. Abro a janela, ligo o computador e começo a revisar os capítulos do novo livro de um amigo. Aos finais de semana, como prefiro descansar, em vez de trabalhar na revisão, eu leio. Hoje, peguei uma edição da revista Serrote. Estava lendo um ensaio sobre o tirano segundo Shakespeare, de Stephen Greenblatt. O autor desenvolve uma reflexão que, para ele, sempre esteve presente na obra do bardo, “como pode um país inteiro cair nas mãos de um tirano?”.


Eu estava profundamente envolvido com o ensaio, fisgado por outra pergunta levantada pelo texto – “de que modo uma figura como Ricardo III ou Macbeth ascende ao trono?” –, quando comecei a ouvir uma mulher gritando.

- Safira! Safiraaaa! Safiiira!

Tentei ignorar e continuar concentrado na leitura. Mas os gritos não pararam. Olhei para a pulseirinha Mi Band no meu pulso esquerdo, o relógio marcava 5h e 55min. Tentei me concentrar no texto mais uma vez, mas os gritos não pararam.

- Soltem minha cachorra! Safiraaaa! Safiiira! Eu não vou ficar sem a minha filha, soltem minha cachorra! Se não soltarem minha cachorra, ninguém mais vai dormir nesse bairro. Quem prendeu minha cachorra, pode soltar! Deixem minha cachorra em paz. Safiraaa! Safiiiira!

Estendi meu pescoço pela janela. A grade não permite muita mobilidade, mas enxerguei uma moça de calça jeans e blusa vermelha na esquina do meu lado esquerdo. Algumas pessoas já se aglomeravam na rua, todos curiosos com o que estava acontecendo. Percebi que não conseguiria continuar com a leitura. Minha mãe perguntou lá do quarto dela:

- O que é isso?”

- Acho que a cachorra dela fugiu e ela desconfia que alguém está mantendo o animal cativo –, respondi sem ter a menor ideia do que estava falando.

Pensei que, já que não conseguiria continuar com a minha leitura, deveria aproveitar a oportunidade para coletar material para o podcast. Peguei meu gravador em cima da estante do quarto, vesti uma camisa, dei a volta pelo beco e, logo que cheguei à frente da casa, ela parou de gritar e se afastou. Não consegui gravar os gritos, nem saber o que estava acontecendo de fato.

Eu já não tinha mais ânimo para voltar ao ensaio naquele momento, não consegui saber o motivo daquele espetáculo. Só me restava esperar os vizinhos fofoqueiros chegarem com as informações, cada um contando uma versão diferente do que havia acontecido. Enquanto isso, fomos, minha mãe e eu, tomar café e cuidar dos afazeres do dia.



José Fagner Alves Santos

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