A universidade desaprendeu a ensinar



Ensinar sempre foi mais do que transferir conteúdo. Sempre exigiu presença, escuta, clareza, convicção. Mas nos últimos anos, a universidade brasileira — com raras exceções — desaprendeu até mesmo o que já sabia. Não falo da precarização visível nas paredes descascadas ou nos salários minguados. Isso é real, mas é sintoma. O problema é mais profundo: a universidade se esqueceu do que significa formar alguém.

Hoje, há mais preocupação em cumprir carga horária do que em provocar pensamento. As ementas são copiadas de versões anteriores, os textos obrigatórios não são lidos, os debates não passam de repetições partidárias. A aula, essa arte em extinção, foi reduzida a um PowerPoint com fontes pequenas, tópicos apressados e uma bibliografia que ninguém mais consulta.

Há cursos em que o aluno termina a graduação sem ter lido um clássico da área. Sem ter sido desafiado a escrever um texto autoral. Sem ter ouvido um professor dizer: “isso que você escreveu não está bom — e aqui está o porquê.” O medo de frustrar virou regra. A pedagogia do conforto venceu a pedagogia da exigência.

E os professores? Muitos se tornaram reféns da lógica da produtividade. Publicam artigos que ninguém lê, em revistas que ninguém conhece, sobre temas que não importam para quase ninguém. Mas pontuam no currículo. Vale mais um paper mal escrito em inglês técnico do que uma aula que transforma a cabeça de um aluno.

Claro que há resistência. Ainda há quem ensine com paixão, quem leia cada linha de um relatório com cuidado, quem abra sala para o debate real, com ideias fortes e argumentos contrários. Mas são poucos — e estão cansados.

É curioso que um espaço criado para cultivar o pensamento crítico tenha se tornado, em muitos casos, um centro de reprodução automática. A crítica virou palavra de efeito, usada em reuniões de departamento, mas esvaziada no cotidiano das práticas. Critica-se o governo, o sistema, a mídia — mas raramente se questiona o que acontece dentro da própria sala de aula.

A universidade não morreu. Mas está adormecida — e sonha com a própria irrelevância. Acordá-la exigirá coragem para contrariar alunos, colegas, editais. E talvez seja por isso que quase ninguém tente.

O nome disso não é crise. É covardia institucionalizada.

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