Como a imprensa molda o que você sente: uma leitura crítica da cobertura política



A imprensa não apenas informa. Ela seleciona, recorta, organiza e, por fim, performa. A notícia, tal como chega até nós, não é uma fotografia fiel do mundo, mas uma moldura. E a moldura tem cor, espessura, ponto de vista.

Na cobertura política — especialmente em tempos de crise — essa moldura revela mais do que disfarça. Quando o país ferve, o jornalismo, por vezes, decide soprar em vez de ventilar. A escolha de uma manchete, a construção de um título, a ordem dos parágrafos, o adjetivo solto num lead: tudo isso contribui para que não apenas saibamos o que aconteceu, mas também como devemos nos sentir a respeito.

Há uma diferença sutil entre o jornalismo que informa e o jornalismo que orienta afetos. O primeiro respeita a inteligência do leitor; o segundo desconfia dela.

Não é à toa que o termo "neutralidade" tenha sido sequestrado por diferentes grupos. Para uns, a imprensa é "vendida"; para outros, é "cúmplice"; para muitos, é simplesmente "uma piada". Mas a verdade é mais incômoda do que qualquer meme: a imprensa tem lado porque é feita por gente — e gente tem interesses, histórias, medos e lealdades. A diferença está em quem os admite.

No Brasil, herdamos uma imprensa tradicional que, desde os tempos do Império, funciona como extensão das elites ilustradas. Um jornalismo que acredita falar em nome da racionalidade, mas que silencia quando a racionalidade se confunde com os seus próprios privilégios. Durante a ditadura, chamou censura de “medida de contenção”. Na redemocratização, transformou colunistas em oráculos. Nos anos recentes, travestiu colapsos em crises “necessárias” e manifestações em “tumultos”.

A linguagem jornalística, quando não questionada, corre o risco de se tornar naturalizada. E aí mora o perigo. Porque quando a linguagem vira paisagem, paramos de enxergar as estruturas que a sustentam.

É preciso reaprender a ler. Não só as entrelinhas, mas as margens, as ausências, os silêncios. O que não foi dito também comunica. A ausência de uma voz não é erro — é escolha editorial.

Por isso, mais do que nunca, urge formar leitores críticos. Gente capaz de desconfiar de manchetes, de perguntar "por que agora?", "por que assim?", "a serviço de quem?". Não se trata de negar a imprensa, mas de entendê-la como um campo em disputa, onde nem toda imparcialidade é inocente e nem toda opinião é veneno.

Talvez o maior serviço que um jornalista possa prestar hoje não seja oferecer respostas prontas, mas devolver ao leitor o direito de fazer perguntas difíceis. A começar por esta: o que você sente quando lê uma notícia — e por que sente isso?

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