Toda geração que se preze precisa de uma guerra, uma construção faraônica ou uma revolução fracassada para chamar de sua. A nossa não teve nada disso. Nenhuma Brasília para edificar, nenhum Vietnã para recusar, nenhum AI-5 para temer ou aplaudir. Tivemos o Orkut, depois o Facebook, depois o Instagram, depois o TikTok. O que fizemos com eles? Nada além de memes e selfies filtradas. Nossa herança foi a distração.
Nasci num Brasil em que a democracia já era ponto de partida — o que é quase uma maldição. Quando a liberdade não custa sangue, vira decoração de vitrine. Talvez por isso tenhamos assistido à sua decomposição com tanto tédio. Os protestos de junho de 2013 nos pegaram no fim da juventude e, antes que pudéssemos entender o que estava acontecendo, já estávamos soterrados por hashtags, vídeos de PMs espancando e o espetáculo melancólico de uma extrema direita que renascia em versão caricata, com camisetas da Seleção Brasileira, emojis de armamento e PowerPoints de procuradores.
Somos órfãos de tempo e de linguagem. Chegamos tarde demais à história. Ou cedo demais a um mundo que, francamente, já nem sabe escrever história. Tudo agora é algoritmo. As narrativas se escrevem em chinês, em dialetos inventados ontem, em códigos de aprendizado de máquina. Em breve, nem isso: serão grunhidos de avatares e dancinhas sincronizadas em telas verticais.
Nos sentimos velhos perto dos millennials, que ainda ensaiam seus trinta anos, e nos sentíamos jovens demais diante dos que cantavam Legião Urbana em fita cassete. Somos uma geração-tradutora: não pertencemos mais à terra de nossos pais (rural, católica, heteronormativa, autoritária), tampouco nos encaixamos no mundo líquido, andrógino e “influenciável” dos que vieram depois. Estamos entre ruínas — e nossa única missão foi observar.
Somos a última geração analógica, a última infância longe das telas. Tivemos infância, o que hoje é artigo de colecionador. Subimos em árvores, vimos tevê com horário fixo, aprendemos a esperar. O som da internet discada nos ensinou o valor do tempo. Tínhamos que escolher: ou usávamos o telefone ou acessávamos a rede. Hoje tudo é simultâneo, e por isso nada é vivido de fato.
Minha adolescência não foi marcada por likes, mas por comerciais da Brahma, piadas infames no Zorra Total e a esperança vaga de que um dia teríamos um tênis igual ao do jogador da moda. Depois veio o celular, o smartphone, o vício. Hoje, a alma nacional cabe dentro de um grupo de WhatsApp. Ninguém mais lê, poucos escutam, quase ninguém pensa. Mas todos opinam. A democracia virou corrente de bom dia.
Crescemos sob a ilusão de unidade vendida pela televisão. O Gugu, a Banheira, o Faustão, o Chaves — santos de um panteão profano que, por alguns anos, fez com que um país continental se sentisse uma vizinhança. Depois veio a internet e com ela a segmentação, a paranoia, o ressentimento distribuído em alta velocidade.
Vivemos sob promessas coloridas: real valorizado, viagens ao exterior, o sonho da Disney. E como bons filhos do Plano Real, acreditamos que tudo podia ser comprado em 12 vezes sem juros. A crise nos acordou — mas acordar de um sonho consumista não é o mesmo que despertar para a realidade. É cair num pesadelo feito de boletos e desencanto.
Durante duas décadas, esquecemos que os militares existiam. Democracia parecia tão garantida quanto a final do Brasileirão. E então, como num filme ruim, eles voltaram à cena, convocados por youtubers, pastores e patriotas de loja de artigos militares. Estavam de volta — não por força própria, mas por ausência de qualquer outro mito mobilizador.
O que resta? A sensação de que vivemos em um eterno intervalo. Observadores de uma civilização em crise, sem coragem de enterrá-la nem força para erguer outra no lugar. Nossa geração não fez história. No máximo, compartilhou o link.
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