O tempo da formação: reflexões sobre vocação, leitura e maturidade intelectual



Há uma pressa que não ensina. Uma inquietação que, disfarçada de desejo por conhecimento, atropela a escuta, a observação e a lenta germinação das ideias. Em tempos de fluxo contínuo de informações, é comum que confundamos acúmulo com formação — como se uma estante repleta fosse sinônimo de compreensão profunda, ou uma lista interminável de cursos e certificações substituísse o labor silencioso da maturação interior.

Recordo aqui um princípio fundamental da tradição clássica de pensamento: a formação — paideía, nos termos dos gregos antigos — não é apenas a instrução técnica ou a aquisição de conteúdo, mas sobretudo um modo de ser. A verdadeira formação se dá no ritmo da existência, não no compasso dos algoritmos. É um trabalho contínuo sobre si mesmo, que exige paciência, disposição para o silêncio, e o reconhecimento de que o saber não se alcança em linha reta.

Hannah Arendt, em A condição humana, lembra-nos que o labor do espírito exige recolhimento, e que a ação realmente transformadora parte de uma interioridade bem cultivada. Essa perspectiva se aproxima da ideia de vocação como uma escuta atenta ao que ressoa dentro de nós — e não como a mera busca por um lugar de destaque num mercado saturado de especialistas apressados.

A vocação, nesse sentido, não é um ponto de chegada, mas uma escuta constante. A voz que nos chama — do latim vocare, "chamar" — é muitas vezes tênue e se confunde com os ruídos do mundo. Exige discernimento. E o discernimento se cultiva, em grande medida, por meio da leitura.

Mas não qualquer leitura. Refiro-me àquela leitura que nos desinstala, que nos interroga, que faz do texto um espelho da própria vida. Um tipo de leitura que, como sugere Georges Steiner, em Lições dos Mestres, implica "responder à presença viva de uma voz que nos transforma" (STEINER, 2003). Não se trata de consumir livros como quem percorre prateleiras, mas de permitir que um punhado de autores — talvez cinco ou seis — nos acompanhem ao longo da vida, moldando não apenas nosso pensamento, mas nosso modo de estar no mundo.

Essa companhia exige tempo. Exige voltar às mesmas páginas sob diferentes ângulos, em diferentes estações da vida. Como escreveu Ítalo Calvino em Por que ler os clássicos, "um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer" (CALVINO, 1991). Mas para que essa escuta aconteça, é preciso abdicar da pressa e da ansiedade de parecer inteligente — essa armadilha sutil que acomete, sobretudo, os que estão nos primeiros degraus da caminhada intelectual.

Nessa trilha, não há vergonha em não saber. Aliás, o verdadeiro estudante é aquele que aprendeu a reconhecer sua ignorância com humildade. É o que Platão coloca na boca de Sócrates: "só sei que nada sei". E esse reconhecimento não paralisa; ao contrário, é o que abre caminho para uma busca mais sincera, mais despretensiosa e, portanto, mais profunda.

Viver o tempo da formação é também aceitar os ciclos da vida. Há momentos em que precisamos nos recolher, ler menos e sentir mais; escrever menos e escutar mais; produzir menos e meditar mais. Há uma sabedoria no intervalo, no tédio, no tempo não ocupado. É aí que, muitas vezes, as ideias verdadeiras amadurecem, como frutos que precisam do tempo certo para serem colhidos.

Em O ócio criativo, Domenico De Masi nos lembra da importância de resgatar a potência criadora do tempo livre — não o tempo da distração, mas aquele em que a mente se aquieta e permite que algo novo emerja. Nesse intervalo, nasce a originalidade, não como um artifício para se destacar, mas como consequência natural de uma escuta profunda.

A maturidade intelectual, portanto, não se mede pela idade nem pela quantidade de diplomas ou publicações. Mede-se pela capacidade de demorar-se nas perguntas, de não se satisfazer com respostas rápidas, de sustentar o inacabado sem desespero. Como observa Maria Zambrano em Claros del bosque, "o pensamento verdadeiro nasce da ferida, da inquietação, do desejo de ver claro onde tudo parece escuro" (ZAMBRANO, 1977).

Este ensaio não pretende oferecer respostas. É antes uma defesa do silêncio, da lentidão, do inacabado. Um convite a quem, no meio da tempestade de dados e imperativos de produtividade, ainda sente a necessidade de escutar o que pulsa por dentro. Que esse chamado — ainda que tímido — encontre solo fértil. E que possamos, cada um à sua maneira, cultivar o tempo da formação como quem cultiva um jardim: com paciência, atenção e respeito ao ritmo das estações.



Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 2002.


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