Oxi, Porra, Oxente: a retórica visceral da Bahia e o estado de espírito da língua


Num país em que até a linguagem sofre lavagem cerebral, onde o povo já não sabe mais distinguir interjeição de ideologia, é justamente no falar espontâneo do baiano que sobrevive uma das últimas formas autênticas de expressão da alma popular brasileira. E não estou falando de palavrinha de almanaque, nem de dicionário pasteurizado da academia — falo daquilo que escapa à vigilância do politicamente correto, daquilo que explode na boca com a força de uma navalha emocional: “Oxi”, “Oxente” e, sobretudo, “Porra”.

Comecemos pelo mais leve — o “Oxi”. Que beleza! Uma sílaba só, mas carregada de nuances que nenhum ministro da Educação seria capaz de decifrar sem antes passar dez anos em Itapuã. “Oxi” é o espanto do homem livre, é a reação visceral ao absurdo cotidiano, é o susto existencial do brasileiro diante daquilo que não faz sentido — e por isso mesmo, talvez, seja a expressão mais filosófica que temos. Ele é a refutação instintiva, o “não me venha com essa merda” disfarçado de surpresa. Mas também pode ser a zombaria afiada, o riso debochado diante do teatro da mediocridade que virou o Brasil moderno. Tudo depende do tom. O brasileiro, quando ainda pensava com o corpo, sabia disso.

“Oxente” vem logo em seguida, como irmã mais velha, mais mística e matriarcal. Contração de “Oh, gente!”, dizem os filólogos — mas o que importa é que “Oxente” é o clamor do povo diante da injustiça, da traição, da burrice alheia. É o protesto que vem da cozinha, do terreiro, do banco da praça. Quando alguém diz “Oxente!”, o que se ouve não é uma palavra — é a alma de um povo que não aceita ser feito de besta. É o julgamento popular em forma de fonema. Em um país em que o STF legisla por capricho, ouvir um “Oxente” é quase um ato revolucionário.

Mas é na palavra “Porra” que se revela o âmago da coisa. Ah, a “porra”! Eis aí a expressão suprema da fala baiana, o palavrão elevado à condição de categoria metafísica. Sim, o termo remonta ao vulgar — sêmen, esperma, vida crua e escancarada. Mas, como tudo o que é verdadeiramente vital, ela se sublima na boca do povo. O baiano, ao dizer “Porra!”, não está apenas xingando — está pontuando a realidade, está conferindo intensidade ao que, de outro modo, seria apenas narrativa burocrática. “Porra!” é o grito de quem ainda sente, de quem não foi anestesiado pela tecnocracia sentimental do nosso tempo.

E veja bem: o uso do “porra” não é aleatório. Ele tem regras, ritmo, entonação. É preciso saber dizer “porra”, assim como é preciso saber silenciar. “Porra” dita com raiva é uma coisa; com admiração, é outra. Dita no fim de um dia exausto, é quase uma oração profana. No fundo, a “porra” baiana é o equivalente verbal do que os gregos chamavam de thymos — aquela força interna, aquela fúria sagrada que move os homens a agir. No Brasil em decomposição, a “porra” é talvez a última reserva de energia moral do povo.

A mistura dessas expressões — “Oxi, porra!”, “Oxente, porra!”, “Vixe, porra!” — forma uma verdadeira gramática emocional. Não é linguagem ornamental, nem mero sotaque: é a dramatização da existência. É o teatro espontâneo do povo diante da comédia trágica que se desenrola à sua volta. Quando um baiano diz “Porra, que menino invocado!”, ele está dizendo ao mesmo tempo: “Estou impressionado”, “estou cansado”, “estou vivo”. E tudo isso numa frase só. Nenhum professor da USP seria capaz de condensar tanta realidade em tão poucas palavras.

O idiota acadêmico dirá que se trata de vulgaridade. Pois bem — é justamente na vulgaridade que o espírito se revela quando a linguagem oficial já não serve para nada além de mascarar a mentira. É como dizia São Paulo: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir as sábias”. O baiano escolheu o palavrão para confundir o idiota erudito. E conseguiu.

No fundo, essa linguagem é uma forma de resistência. Enquanto o Brasil se embrutece sob a hegemonia do sentimentalismo de ONG e da moralidade de rede social, o baiano — com seu “oxi”, seu “oxente” e sua “porra” — segue vivendo com uma intensidade que a elite cultural já esqueceu. Ele sente com força, fala com gosto, vive com sangue. Isso não é um detalhe folclórico. É o que resta de humano num país que está virando algoritmo.

Se quiser entender o Brasil, não leia editorial da Folha. Vá à Bahia. Ouça um vendedor de coco, uma rezadeira, um pescador de maré. Lá você verá que ainda existe alma no país. E se ouvir um “Oxi, tu acredita nisso?” seguido de um “Oxente, menino, acorde!” e finalizado com um “Porra, vai viver, rapaz!” — agradeça. Você acabou de testemunhar um milagre: o renascimento da fala verdadeira no meio do caos.

E com isso, encerro com a única saudação possível:

“Bora Bahêa, minha Porra!”

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