O desencanto e a nudez do real em A morte do pai


Diferente de Blanchot e Didion, Karl Ove Knausgård não escreve sobre a morte como evento-limite, mas como um acontecimento ordinário que se instala brutalmente na rotina. Em A morte do pai, primeiro volume da série Minha Luta, a morte do pai não é um acontecimento heroico nem um trauma sublime: é um fato opaco, constrangedor, quase grotesco — e, por isso mesmo, devastador.

A narrativa de Knausgård é marcada por um paradoxo essencial: o desejo de registrar tudo com uma franqueza quase obscena (horas a fio lavando fezes, observando os detalhes domésticos da decadência do pai alcoólatra), e a simultânea consciência de que nenhum relato pode restituir o que foi perdido. Não há beatitude, leveza, transcendência ou metáfora. Há, no máximo, exaustão e vergonha.

Mas é aí que reside sua força: ao se recusar a romantizar a morte — ou mesmo a tratá-la como um "evento" —, Knausgård alcança o núcleo duro da experiência de luto. Como Didion, ele precisa escrever porque perdeu; mas ao contrário dela, não busca compreender nem elaborar — ele quer expor. Sua escrita é a tentativa de rasgar o véu do literário, arrancar a máscara da linguagem. Em vez de símbolo, excremento; em vez de epifania, repulsa; em vez de redenção, descrença.

O livro, no entanto, não é cínico. Pelo contrário: é movido por um desejo de verdade. Não uma verdade essencial, mas sensível — a verdade de estar presente em um corpo vivo enquanto outro corpo se desmancha. E nesse contato entre os corpos, e depois entre os objetos que restam (as roupas, os papéis, os cheiros), o narrador percebe que a morte do pai não é apenas a perda de uma figura: é a perda de um espelho, de um chão, de uma estrutura contra a qual ele se moldou — ou se rebelou.

O pai morto é mais presente do que o pai vivo. Isso é o que dói. E é essa presença insuportável, essa permanência do que já não é, que move o fluxo da narrativa.

Assim como em Blanchot e Didion, o tempo se fragmenta: não há passado nem presente estáveis, apenas uma constelação de imagens, ruídos e lembranças que se infiltram umas nas outras. Mas, diferente deles, Knausgård escolhe não trabalhar na chave da suspensão, mas da saturação: ele escreve demais, detalha demais, repete demais — como se quisesse afogar a própria angústia no excesso da linguagem.

Ao final, não há consolo. Só uma forma de continuar respirando — e talvez isso seja o máximo que a literatura possa oferecer diante da morte: o exercício de uma respiração irregular, mas ainda assim viva.

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