Um mês passou



Faz exatamente um mês, no dia em que escrevo estas linhas, que ele se foi. A ausência dele ainda reverbera como um eco surdo nos cantos da casa, e no silêncio do quarto durante a madrugada, o peso da perda parece ganhar forma. Foi nessa hora — aquela em que o corpo descansa mas a mente ainda vagueia — que ele me apareceu em sonho. A imagem dele surgiu nítida, como se estivesse de pé diante de mim, embora, mesmo no sonho, eu soubesse que estava dormindo. Ainda assim, tomei coragem e perguntei. Quis saber o porquê. Por que ele tinha feito aquilo? Por que escolhera morrer — ou, ao menos, por que permitira que a morte o levasse — deixando-nos aqui, com esse sofrimento mudo, essa espécie de luto que nem sempre se manifesta em lágrimas, mas pesa igual?

Sabia, claro, que qualquer resposta seria fabricada dentro dos porões do meu inconsciente, filtrada pelas minhas próprias angústias e desejos. Ainda assim, eu procurava por ela — a resposta. Buscava um sentido que, talvez, nem ele soubesse dar, nem em vida, quanto mais agora. Foi quando ele começou a falar. Disse que estava cansado. Cansado de lutar. As palavras soaram como se viessem de muito longe, por trás de uma parede espessa de tempo e distância. Eu quis perguntar que luta era essa — a luta contra o corpo? Contra a mente? Contra o mundo? — mas antes que pudesse formular a pergunta, fui puxado de volta ao mundo dos vivos. O nariz congestionado, a dor aguda na cabeça e uma sensação de mal-estar geral me arrancaram daquele breve reencontro onírico. Acordei, febril.

Minha mãe, que tenta manter a compostura, como quem acredita que o silêncio é uma forma de força, publicou algumas fotos dele no status do WhatsApp. Um gesto simples, mas carregado de dor. É a forma dela de falar sobre ele sem precisar usar palavras. É também sua forma de dizer que ainda sofre, mesmo quando finge que não. Porque há dores que se acomodam em silêncio e se camuflam nos pequenos gestos.

No final da tarde, saí com Lucky. O cachorro, com seu faro infalível para a rotina, insistiu com aquela ansiedade que só os animais têm para sair. Sua expectativa quase infantil me forçou a calçar os tênis, vestir uma blusa e acompanhar o ritmo da rua, que parecia ignorar que estávamos todos de luto. Quando voltamos, encontrei a sala preenchida por presenças conhecidas. Luana — com o pequeno Marco Antônio —, Grei, Esther. Minhas primas. Todas estavam ali, sentadas perto da minha mãe, com aquela expressão que mistura afeto e impotência. Vieram oferecer suas condolências, mesmo que discretas, como se o simples ato de estarem ali já bastasse. Em algum momento isso teria que acontecer: o luto compartilhado, o reconhecimento da perda por parte da comunidade.

Agora, no fim da noite, o corpo ainda dói. A febre persiste, a tosse aparece em intervalos cada vez mais curtos. Amanhã, terei aula o dia inteiro — tarde e noite. Não sei se estarei melhor até lá, mas pretendo ir. Um passo de cada vez, como quem tenta, aos poucos, retomar o movimento do mundo.

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