O Amor como Ilusão e Consolo: Entre a Fome e a Aceitação


Não há tema mais exaustivamente celebrado, manipulado e distorcido do que o amor. É por isso, paradoxalmente, que falar sobre ele é, ao mesmo tempo, inevitável e quase inútil. Ao longo da história, o amor foi elevado a um ideal transcendente, uma promessa de redenção ou completude, mas também serviu como justificativa para guerras, destruições e infindáveis sofrimentos individuais. É a emoção que mais se aproxima de uma religião universal — e como toda religião, sustenta-se não porque seja verdadeira, mas porque somos incapazes de viver sem suas ilusões.

A palavra “amor” nos confunde porque nomeia experiências que não têm nada em comum, exceto a capacidade de nos mover. Usamos a mesma palavra para designar o instinto animal que nos empurra ao acasalamento e para o apego sereno que cultivamos por um amigo de décadas. Misturamos nela o impulso sexual, a lealdade, a dependência, a compaixão, o desejo de domínio, o alívio contra a solidão. Não é de se estranhar que, ao tentar compreendê-lo, a maioria das pessoas acabe perdida em confusão — ou, pior, presa em idealizações que nunca serão correspondidas.

Os gregos antigos, que raramente se iludiam com a natureza humana, tinham mais clareza. Distinguiam, por exemplo, entre eros — o amor que nasce do desejo, da falta — e philia — o afeto que nasce da convivência, da presença. Essa distinção permanece útil porque expõe o que muitos ainda tentam ocultar: a maior parte do amor humano é eros, não philia. É fome, não saciedade. É inquietação, não serenidade.

Eros, como Platão descreveu, é filho da Pobreza e da Astúcia — nasce da carência e da engenhosidade. Quer sempre o que não tem, e quando finalmente obtém o objeto de desejo, a fome não cessa; apenas se desloca. O desejo humano não conhece repouso porque, em essência, é uma estratégia da espécie, não do indivíduo. O que chamamos de “amor romântico” não é mais do que uma narrativa elaborada para mascarar um instinto que nos ultrapassa. Encontramos alguém, prometemos eternidade, proclamamos sentido — e, inevitavelmente, sentimos o tédio se infiltrar, porque o instinto não se importa com o contentamento, apenas com a continuidade.

Aqueles que tentam espiritualizar eros — como Platão sugeria, conduzindo-o a uma suposta “ascensão” rumo ao Bem — apenas deslocam o mesmo impulso. A fome se torna busca por ideias, pela beleza imaterial, por uma transcendência que, por definição, nunca é alcançada. A insatisfação permanece, apenas vestida de linguagem filosófica ou religiosa. Em última instância, eros é uma força de inquietude perpétua, que consome tanto quanto alimenta.

Em contraste, philia parece uma promessa de refúgio. É o afeto que não nasce da falta, mas da aceitação: a amizade, o amor sereno entre companheiros, o contentamento silencioso por partilhar a vida com alguém. Aristóteles via nisso uma forma mais estável de amor, um exercício de alegria por aquilo que já está presente, não por algo distante ou idealizado. Mas até mesmo philia tem seus limites. Não é um antídoto absoluto contra a solidão humana. Muitas vezes, o que chamamos de convivência é apenas um pacto de sobrevivência mútua. Mesmo nos vínculos mais duradouros, a fragilidade humana se infiltra: ressentimentos, expectativas, a inevitabilidade da morte.

Se somos honestos, é difícil escapar à conclusão de que o amor, em todas as suas formas, é menos uma verdade profunda sobre a condição humana e mais uma ficção biológica culturalmente útil. Ele nos mantém ligados a outros, garante a reprodução da espécie, suaviza o fardo da consciência. Sem ele, a vida seria insuportável; com ele, é apenas suportável. As pessoas não amam porque descobriram uma verdade superior, mas porque não suportam o vazio.

E, ainda assim, há algo no amor — talvez não no que ele promete, mas no que ele ocasionalmente oferece — que merece ser preservado, mesmo por aqueles que sabem que ele não redime nada. Quando eros perde a máscara da eternidade, pode se tornar um jogo de vitalidade, uma celebração passageira do fato de estarmos vivos. Quando philia não é sobre expectativa, mas sobre reconhecimento, pode oferecer momentos raros de paz — a rara alegria de simplesmente compartilhar o mundo com outro ser, sem desejar que ele seja diferente.

Talvez essa seja a catarse possível: aceitar que o amor não nos salvará, não nos dará sentido, não nos absolverá do sofrimento — e, justamente por isso, aprender a saboreá-lo como se saboreia um pôr do sol ou uma melodia. Fenômenos que não curam nem explicam nada, mas que, por alguns instantes, tornam suportável o peso de existir. O amor, despido de ilusões, pode ser exatamente isso: um intervalo luminoso na escuridão inevitável.

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