O anúncio da eleição de Ana Maria Gonçalves para a Academia Brasileira de Letras foi recebido com euforia e alívio. Afinal, depois de 128 anos, a instituição fundada por Machado de Assis — ele próprio um homem negro que precisou, como tantos outros, disfarçar sua condição para ser aceito pela elite letrada de seu tempo — acolhe, pela primeira vez, uma mulher negra em seus quadros. O gesto, embora justo e necessário, é tratado como evidência de uma marcha irreversível rumo ao progresso moral e social. Mas essa leitura, tão sedutora quanto confortável, é também uma ilusão.
A história humana raramente avança em linha reta. As conquistas sociais e culturais que hoje celebramos, por mais significativas que sejam, não compõem um enredo contínuo de superação das desigualdades. São interrupções efêmeras em um padrão recorrente de exclusão e poder. A presença de Gonçalves na ABL é, portanto, menos um marco de transformação definitiva e mais uma rara abertura em uma instituição cuja própria existência reflete os limites daquilo que chamamos de “progresso”.
A Academia, como tantas outras instituições, não é um espaço de pura criação literária ou de celebração da diversidade. É, antes, um bastião simbólico de uma elite cultural que sobrevive adaptando-se o mínimo necessário para manter sua relevância. Ao eleger uma autora que representa os que foram historicamente excluídos, a ABL não rompe com sua tradição: ela apenas absorve a diferença para continuar existindo sob a aparência de mudança.
O caso de Conceição Evaristo, rejeitada anos antes apesar da pressão popular, revela essa dinâmica com clareza. Não foi a falta de mérito literário que barrou sua entrada, mas a ameaça que sua candidatura, apoiada por um movimento popular, representava para a lógica interna da Academia. O contraste com a eleição de Gonçalves mostra que a abertura ocorre quando não ameaça demais a estrutura de poder.
Nada disso diminui a importância do feito para leitores e escritores negros no Brasil, nem o impacto cultural que Gonçalves continuará a exercer. Mas é preciso compreender o evento não como uma prova do avanço moral da sociedade, e sim como parte de um ciclo: momentos de reconhecimento e inclusão coexistem com forças que buscam, sempre, restaurar uma ordem excludente.
Celebrar o ingresso de Ana Maria Gonçalves na ABL é legítimo. Mas acreditar que tal gesto representa uma mudança duradoura no curso da história é sucumbir à ilusão progressista. A verdadeira lição aqui é outra: os raros avanços que conquistamos não são permanentes, e a luta pela representação não termina com uma eleição. A história, como sempre, continua indiferente aos nossos desejos de final feliz.
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