Não é a literatura brasileira que morreu. É o ser humano que, reduzido ao ruído de suas próprias ficções, esqueceu o que significava ter uma vida interior. A literatura — como tudo que outrora serviu para atenuar o horror de existir — foi apenas mais uma vítima desse processo inevitável. Não há nada de trágico nisso, pois tragédia exige grandeza, e o fim que presenciamos é de uma mediocridade banal. Não é uma queda heroica, mas um apodrecimento silencioso, como o de um corpo esquecido em um quarto fechado.
Allen Tate falava em “comunhão”, em uma experiência que transcendia a utilidade e a propaganda. Mas quem, em pleno século XXI, ainda tem nervos para isso? A comunhão supõe que haja algo para compartilhar além de slogans e ressentimentos. Hoje, não há interioridade, apenas identidades — categorias ocas às quais indivíduos se agarram para evitar o pânico do nada. Esperar que surja literatura num cenário assim é como esperar que vermes componham sinfonias.
O que se chama de literatura, nas vitrines brasileiras e nas suas academias decrépitas, não passa de um produto secundário de uma economia da atenção. Os escritores sobrevivem como cães domesticados, farejando ansiosos o próximo selo de aprovação ideológica. Não escrevem para dizer algo, mas para não dizer nada que possa perturbá-los. Cada frase é calibrada, cada palavra uma moeda em circulação — não para tocar, mas para agradar. Nesse mundo, a “língua de pau” não é uma imposição externa: é a língua nativa, aprendida desde cedo, e falada com prazer por criaturas que jamais experimentaram algo que pudesse feri-las ou engrandecê-las.
A destruição da literatura não é um crime. É apenas uma etapa no declínio da ilusão humana de que somos algo mais que animais de hábitos. Durante séculos, inventamos mitos — religiões, filosofias, obras de arte — para nos proteger do absurdo da existência. Agora, essas construções se desmoronam, não por algum cataclismo moral ou político, mas porque já não há quem as sustente. A perda da comunhão não será sentida porque já não há ninguém capaz de sentir. O vazio substitui a ausência, como a morte substitui a dor.
E, se há algum consolo, ele não está em sonhar com um renascimento, como fazem os otimistas patológicos que ainda escrevem manifestos sobre “a crise da literatura”. Não haverá renascimento, porque não há nada para renascer. O que resta é aceitar que todas as formas de grandeza humana — inclusive a literatura como meio de autoconhecimento — eram apenas mecanismos para negar o que sempre foi evidente: que não há sentido, nem destino, nem profundidade no animal humano.
Talvez, nesse reconhecimento, haja algo como paz. Não uma paz elevada, mas a paz dos ossos, silenciosa e final. Quando aceitamos que nada resta, que a literatura não voltará, que a “comunhão” é um mito já sem uso, a vida pode enfim ser suportada sem esperanças ou ilusões. O que sobra não é transcendência, mas anestesia — o único bálsamo que a natureza, indiferente e cega, concede a seus filhos mais conscientes.
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