A ilusão da compreensão



Os humanos são criaturas supersticiosas, incapazes de aceitar a própria insignificância. Quando não acreditam em deuses, inventam sucedâneos mais respeitáveis — como a “razão pura” ou a “compreensão” — para fingir que estão em contato com algo superior ao próprio ruído mental. Mas compreender, no sentido que gostam de ostentar, é em grande parte uma farsa: decifrar palavras não é penetrar no que elas dizem, e reconstituir uma ideia é tarefa que quase ninguém está disposto — ou capaz — de enfrentar.

A maior parte dos intelectuais, mesmo os mais pomposos, satisfaz-se com a superfície. Jogam com signos, constroem sistemas, adoram equações e proposições como monges devotos adoravam relíquias. Chamar isso de “pensar” é generoso: são autômatos que se encantam com os próprios símbolos, como crianças fascinadas por engrenagens. Quando dizem compreender, querem dizer que o formalismo os acalma — que o jogo lógico, com suas regras fechadas, os protege da confusão do real.

Mas a experiência, mesmo a mais abstrata, é um animal selvagem: não se deixa domesticar por algoritmos. Uma ideia só é realmente compreendida quando o ato mental que a gerou é revivido, e esse ato não pode ser reduzido a sinais ou fórmulas. Nenhuma máquina pode fazê-lo; e, se um dia pudermos imitá-lo com perfeição artificial, isso não provará que a máquina ganhou vida, mas que nós próprios nos tornamos máquinas.

Essa é a direção para a qual marchamos com fervor religioso. O mundo moderno cultua a abstração e despreza a experiência, porque o real, com sua resistência, lembra-nos de que somos corpos frágeis e mentes limitadas. Jogar com conceitos é mais confortável do que encarar o muro — seja o muro de tijolos, seja o muro da morte. Por isso nos refugiamos em deduções impecáveis, em sistemas matemáticos, em promessas de inteligência artificial. Tudo isso serve a um mesmo fim: esconder o vazio.

A verdade é que não há “verdade última” para ser descoberta. Não há estrutura secreta do universo esperando ser decifrada, nem redenção na lógica, nem sentido em compreender além da sobrevivência imediata. Há apenas jogos mentais que nos distraem do fato óbvio: somos organismos que nasceram para desaparecer, capazes de raciocinar, mas incapazes de suportar o que o raciocínio revela.

Toda busca por compreensão é, no fundo, uma forma de negação. A filosofia, a ciência e a própria razão não são faróis que iluminam um caminho; são velas fracas que tremulam em meio a uma tempestade, enquanto fingimos que a noite não é infinita.

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