Samuel Beckett nunca buscou consolar. Nascido em Dublin em 1906, testemunhou duas guerras mundiais, a ascensão e a queda de ideologias que prometeram a redenção da humanidade e o triunfo do progresso. Trabalhou com James Joyce em Paris, mas ao contrário do mestre, que via na linguagem um terreno para celebração e exuberância, Beckett preferiu despir as palavras até o osso, reduzindo-as a gestos de sobrevivência.
Esperando Godot (1953) é frequentemente descrito como uma peça sobre a espera por um messias que nunca chega. Mas essa leitura simplifica demais o que Beckett constrói. Vladimir e Estragon, figuras sem passado claro e sem futuro possível, não esperam apenas por alguém; esperam por uma interrupção, por uma prova de que a existência não é apenas o arrastar dos dias. Godot, cujo nome ecoa “God”, mas também “goddamn” e “forgot”, é um significante vazio. Sua ausência é mais eloquente do que qualquer presença poderia ser. A peça não denuncia a falta de sentido da vida; mostra que essa falta de sentido é a própria condição humana.
Muitos críticos tentaram vincular Godot à teologia cristã ou ao existencialismo de Sartre e Camus. Mas Beckett não oferece nem o conforto da revolta heroica nem o consolo da graça. Ele apresenta algo mais nu: a constatação de que a vida não precisa de um significado para continuar. Os personagens discutem partir, enforcar-se, ou simplesmente ficar. E no fim, não fazem nada. A peça termina como começa: com a espera. Isso não é um círculo vicioso, mas um retrato fiel de nossa rotina ontológica. A maior parte da humanidade vive assim — esperando algo que nunca se cumpre, mas incapaz de desistir.
O que torna Beckett tão desconcertante é que ele não nos oferece nenhuma saída. Não há redenção, nem no sofrimento, nem na memória, nem na arte. Mas, paradoxalmente, é dessa recusa que surge uma forma de catarse. Ao expor a espera como o núcleo da existência, Beckett nos liberta da ilusão de que precisamos de sentido para suportar a vida. O vazio deixa de ser uma ameaça e se torna um companheiro. A própria repetição, que antes parecia um tormento, passa a ser um consolo silencioso: mesmo sem propósito, a vida prossegue.
Talvez essa seja a lição de Beckett, e por extensão, de Esperando Godot: a esperança é uma ficção tão desgastante quanto a fé em ideologias ou deuses distantes. Mas a vida, despojada dessas expectativas, continua — não porque tenha valor intrínseco, mas porque não precisa de justificativa. E, no fundo, essa aceitação pode ser a única catarse possível: descobrir que o nada, ao invés de nos consumir, pode ser habitado.
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