Com raras exceções — entre elas, talvez, a do pavão, cuja vaidade é uma ostentação pura —, nenhum ser vivo desenvolveu uma capacidade tão elaborada de rir de si mesmo quanto o homem. Mas o riso não é apenas uma válvula de escape ou um gesto involuntário; é um método de conhecimento. O humor, como demonstrava Luis Fernando Verissimo, não se limita à superfície da piada: ele rasga a aparência do cotidiano, expondo as costuras invisíveis do ridículo humano.
É por isso que uma cena trivial, como um drible em um campo de várzea, torna-se uma microfábula da nossa condição. O constrangimento de um chefe diante do talento mais insolente de seu subordinado não é apenas uma anedota; é uma parábola sobre poder, hierarquia e o frágil edifício da autoestima. O riso que explode nessa situação não é inocente: é uma catarse. Aquele que ri percebe a arbitrariedade das relações de mando e o caráter quase grotesco de nossas prioridades sociais.
Verissimo sabia que o humor não é um adorno da literatura, mas uma forma de inteligência crítica. Diferente da ironia corrosiva que desmonta sem propor, o humor que ele cultivava operava como uma lente de aumento. Ao ampliar o gesto banal — um passe de futebol, uma conversa de bar, um tropeço de linguagem —, revelava a arquitetura inteira de um país, com seus vícios e suas virtudes.
Rir, nesse sentido, é uma prática de lucidez. Não se trata de frivolidade, mas de um exercício de sobrevivência intelectual em meio ao absurdo. A leveza que Verissimo praticava não o afastava dos problemas mais densos: ao contrário, permitia abordá-los sem a gravidade paralisante da retórica sisuda. O humor, como ele demonstrava, pode ser uma arma política.
Nossos tempos, saturados de discursos agressivos e de um fluxo incessante de informações falseadas, exigem novamente esse olhar humorado. O sarcasmo e a ironia, quando bem manejados, funcionam como antídotos contra a manipulação e o dogma. Eles preservam no leitor uma distância crítica, um espaço de dúvida, uma liberdade de julgamento.
O legado de Verissimo, portanto, não está apenas na graça das crônicas, mas na demonstração de que rir é pensar. O riso que nos arranca da solenidade e da autopiedade é também o gesto que nos devolve humanidade. Se a inteligência pode ser medida pelo que fazemos com nossas emoções, então o humor é, talvez, a sua expressão mais sofisticada.
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