Sobre os 80 anos da bomba


Quando leio o texto do Sushi POP sobre os oitenta anos do pesadelo nuclear (recomendo muito o blog para os interessados em cultura pop japonesa), não consigo pensar apenas na história como sucessão de eventos. Hiroshima e Nagasaki não são episódios isolados; são manifestações daquilo que a humanidade sempre foi: uma espécie capaz de criar maravilhas técnicas e, ao mesmo tempo, de convertê-las em instrumentos de extermínio.

O artigo recorda com clareza que o Japão, em 1945, já estava mergulhado em atrocidades, e que as bombas não atingiram um povo inocente no sentido histórico. Mas civis — sempre eles — pagaram o preço. Isso me parece inevitável, não por algum destino cósmico, mas porque as sociedades humanas sempre se estruturaram sobre sacrifícios. A guerra moderna não inventou o massacre dos inocentes, apenas lhe deu uma escala inédita e uma frieza maquínica.

Os que acreditam que Hiroshima representa um ponto de virada moral se iludem. O horror não ensinou nada de novo. Mostrou apenas o que já sabíamos: que a razão e a técnica não libertam a humanidade de sua violência, apenas a tornam mais eficiente. É essa a lição mais perturbadora — e é por isso que preferimos acreditar em narrativas de progresso e aprendizado.

O ensaio do Sushi POP, escrito pelo meu amigo Alexandre Nagado, tem o mérito de não cair na tentação da absolvição fácil. Relembrar que os japoneses cometeram crimes não significa justificar sua aniquilação. Mas também não se deve romantizar as vítimas. A história não se organiza em lados morais claros; ela se repete em padrões de poder, orgulho e medo. O Bushidô japonês, com sua exaltação da morte, não é menos irracional do que a fé americana na bomba como símbolo de triunfo.

O que a memória de Hiroshima me diz, oitenta anos depois, não é que devemos evitar repetir o erro — porque a humanidade não aprende dessa forma. Ela me diz apenas que somos incapazes de viver sem repetir. As armas nucleares continuam entre nós, e nada garante que não serão usadas novamente. Os tratados, as instituições, as intenções de paz, tudo isso é precário. A espécie humana sobrevive não porque seja sábia, mas porque tem sorte.

Lembrar Hiroshima e Nagasaki é lembrar que a sorte não dura para sempre. Mas também é aceitar que não temos outra condição além dessa: viver sob a sombra de destruições que nós mesmos inventamos. Ao contrário do que se costuma pensar, não há promessa de redenção nesse conhecimento. Apenas uma espécie de lucidez amarga: a de que seguimos existindo como sempre existimos, criaturas engenhosas, violentas, frágeis — e mortais.

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