Apocalipse nos trópicos: o espetáculo da ruína


O novo documentário de Petra Costa, Apocalipse nos trópicos, é menos um estudo do presente do Brasil do que um exercício de imaginação apocalíptica. O título não é apenas sugestão de metáfora, mas programa estético: a diretora olha para a política como quem olha para uma tragédia já anunciada, uma ruína a ser contemplada com fascínio e horror.

Costa retoma o fio narrativo deixado em Democracia em vertigem e o prolonga até os anos recentes: a ascensão de Bolsonaro, a pandemia, a soltura de Lula, a eleição de 2022, o golpe fracassado de 8 de janeiro. Mas o filme não é apenas uma sucessão de fatos; é uma composição operística, uma dramaturgia de contrastes. Favelas contra condomínios, corpos entubados contra falas cínicas, multidões fanáticas contra a frieza burocrática da limpeza que se segue à destruição. Tudo é montado como espetáculo, e é nesse ponto que o documentário alcança sua força e seu limite.

A diretora não esconde sua intenção de articular religião e política como partes de uma mesma engrenagem narrativa. O neopentecostalismo surge como chave de leitura, um mito coletivo que transforma o fim do mundo em promessa de redenção. A Bíblia, ou melhor, O Apocalipse, é convocada como matriz simbólica para ordenar a história política recente do país. Assim, os fiéis aparecem como massa, os pastores como demagogos e a estética do culto como estética do poder.

Mas a metáfora, tão sedutora, cobra seu preço. Ao escolher um personagem — Silas Malafaia — como metonímia do bolsonarismo evangélico, o filme cria uma figura de vilão que concentra em si uma força que, na realidade, é dispersa, contraditória e múltipla. Essa simplificação dá clareza à narrativa, mas reduz a complexidade do fenômeno. O apocalipse como chave explicativa funciona bem no cinema, mas empobrece a política.

Há, em Apocalipse nos trópicos, uma tensão entre análise e catarse. Quando mostra a destruição em Brasília ao som de ópera, o filme atinge o sublime: não estamos diante de reportagem, mas de uma encenação do colapso da democracia. O que resta, porém, é a sensação de que o espetáculo substitui a reflexão. A religião não é interrogada em sua vitalidade social, em sua capacidade de oferecer sentido e pertencimento; é vista apenas como máquina de manipulação. O progressismo, por sua vez, aparece como espectador impotente, jamais como agente de contradições que também pavimentaram a escalada autoritária.

Talvez Petra Costa tenha escolhido o caminho da parábola, não da análise. Sua obra não pretende compreender o Brasil em sua totalidade, mas inscrevê-lo numa narrativa de tragédia universal. Apocalipse nos trópicos é, assim, menos um retrato sociológico e mais um ritual de luto — um cinema que deseja, acima de tudo, produzir impacto e memória. Se lhe falta nuance, sobra-lhe intensidade.

No fim, o filme nos lembra que o apocalipse não é apenas um evento religioso ou político, mas uma forma de olhar. E o olhar de Costa, por mais parcial que seja, insiste em nos confrontar com o espetáculo da ruína.

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