Foto tirada por: Eduardo Montes-Bradley
Em tempos em que a crença no progresso substituiu a fé religiosa, as mensagens se tornaram os novos sermões. A política contemporânea, seja a dos governos ou a dos escritores, é guiada por um desejo quase espiritual de redenção. O jornalista e ensaísta Ta-Nehisi Coates pertence, de modo inconfundível, a essa linhagem moderna de moralistas seculares — aqueles que procuram restaurar a consciência do mundo pela força da linguagem.
Em A Mensagem, Coates propõe um projeto nobre: devolver ao ato de contar histórias o poder de iluminar o que a história oficial apaga. Mas o que ele chama de “mensagem” é, na verdade, o antigo fardo do escritor moderno: falar em nome da humanidade, num tempo em que a humanidade é apenas uma ficção moral.
Coates viaja — ao Senegal, ao sul dos Estados Unidos, à Palestina — em busca de perguntas que o mundo não faz. Ele o faz com a fé de quem acredita que, pela palavra justa, é possível romper o silêncio das estruturas e das narrativas dominantes. Essa fé é admirável, mas também sintomática. Pois, na verdade, nunca deixamos de ser dominados por narrativas — apenas substituímos umas por outras. A ilusão de escapar do “mainstream” é, muitas vezes, apenas a criação de um novo centro.
O impulso de Coates lembra o de George Orwell, cuja frase abre o livro: “acabamos, por responsabilidade com nosso passado, presente e futuro, nos tornando todos panfletários.” Orwell via a escrita política como um dever moral, mas também como um exercício de desespero. Ele sabia que o escritor engajado fala não porque acredita que pode mudar o mundo, mas porque sabe que o mundo não mudará sem que alguém o acuse. Coates, ao contrário, ainda acredita que a acusação pode purificar — que a linguagem pode transformar o real.
Mas o real raramente se dobra à consciência moral. A história não tem direção, apenas repetições com novas máscaras. A escravidão, a opressão, o império — tudo isso muda de nome, não de natureza. As viagens de Coates, como as peregrinações religiosas de séculos anteriores, mostram um homem à procura de sentido em ruínas sucessivas. Ele encontra ecos de dor e de injustiça, mas também descobre, talvez sem o dizer, que não há reconciliação possível entre o ideal e a condição humana.
O que A Mensagem oferece, portanto, não é uma saída, mas um testemunho. E nisso reside sua verdadeira força. Coates quer iluminar, mas a luz que projeta é a de uma lanterna num campo devastado — revela, não reconstrói. Acredita que o ato de contar novas histórias pode curar o que as antigas feriram, mas talvez seja mais honesto admitir que toda narrativa é também uma forma de cegueira.
Quando Coates diz que o jornalismo não é um luxo, ele repete, em linguagem secular, o antigo credo dos profetas: o da palavra como dever. Mas o que o diferencia não é o conteúdo da mensagem — é a consciência do seu limite. Ao reconhecer que “os sistemas que combatemos são sistemas de covardia”, ele revela algo que vai além da política: a recusa do humano em enfrentar sua própria natureza.
Os modernos acreditam que, com suficiente luz, dissiparão as trevas. Esquecem que o homem é ele mesmo o portador da sombra. Coates, ao final, parece perceber isso — e, nesse reconhecimento, aproxima-se do trágico que tanto falta à moral progressista contemporânea.
Seu livro é, sem o saber, uma meditação sobre o fracasso da mensagem. Pois a mensagem mais verdadeira é aquela que não pretende salvar, mas compreender. O escritor que insiste em mudar o mundo talvez acabe apenas repetindo seus enganos; o que o observa em silêncio, esse sim, pode enfim descrevê-lo.
A escrita de Coates, nesse sentido, é uma arte da lucidez melancólica — e por isso mesmo, profundamente humana. O que ela nos ensina não é a esperança, mas a coragem de viver sem ela.

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