Ao longo da vida, todo ser humano está cercado por forças que o convidam a esquecer de si. Algumas são brandas e sedutoras — prometem conforto, estabilidade, uma identidade fixa. Outras, mais discretas, atuam em silêncio: dissolvem convicções, questionam o que parecia evidente, lembram que a consciência é sempre um território instável.
É fácil entregar-se às primeiras. Elas aliviam a fadiga de pensar, oferecem um manual de respostas prontas, ensinam a viver sem perguntas. As segundas, porém, são as que realmente educam. São incômodas, porque retiram o chão sob os pés; e, no entanto, é nelas que se descobre a possibilidade de uma vida mais lúcida — não mais feliz, talvez, mas mais verdadeira.
A civilização moderna tenta nos convencer de que a consciência pode ser domesticada. Multiplicam-se as técnicas para administrar o tempo, controlar as emoções, gerir o próprio “eu” como se fosse uma empresa. A promessa é sedutora: eliminar o conflito, reduzir a incerteza, transformar o viver em eficiência. Mas o preço é alto. Onde tudo é otimização, a alma se torna um apêndice descartável.
Ser humano, no entanto, é precisamente o oposto da eficiência. É ser contraditório, vacilante, incapaz de coincidir inteiramente consigo. É suportar o desconforto de não saber, de não dominar o próprio destino, de sentir que há algo em nós que nunca se deixa organizar.
Os antigos sabiam disso. Não buscavam a imortalidade como um prolongamento da vida, mas como uma compreensão mais profunda do limite. Sabiam que há uma forma de eternidade no instante em que se aceita o que não se pode mudar. Hoje, ao contrário, a imortalidade é tratada como um projeto técnico — mais um produto no catálogo das promessas humanas. Substituímos o mistério pela administração do corpo, e a sabedoria pelo cálculo.
O resultado é uma espécie de pobreza espiritual mascarada de progresso. Sabemos cada vez mais sobre o funcionamento das coisas e cada vez menos sobre o sentido de estar vivos. A ciência amplia horizontes, mas a consciência se estreita: acreditamos ter conquistado o mundo, quando, na verdade, apenas o tornamos mais manejável.
Há, porém, uma resistência silenciosa. Ela nasce nas margens: em quem recusa o ritmo acelerado das novidades, em quem ainda lê devagar, em quem aceita o tédio como espaço fértil. Esses poucos — poetas, pensadores, ou simplesmente pessoas cansadas de obedecer ao impulso de consumir — sustentam uma fidelidade discreta à experiência humana. Sabem que o essencial se descobre no intervalo entre o fazer e o compreender, entre o dizer e o calar.
Aprender a permanecer humano, hoje, exige uma espécie de ascese às avessas: não acumular, mas desaprender; não dominar, mas escutar; não impor sentido, mas deixar que as coisas o revelem. Exige ainda o reconhecimento de que a fragilidade não é falha, mas condição.
E talvez seja esse o ponto: não há educação mais profunda do que aceitar a própria precariedade. Tudo o que é autêntico nasce do reconhecimento do limite — da morte, do tempo, da imperfeição. Quem tenta expulsá-los acaba por fabricar simulacros de vida: existências artificiais, sem peso, sem história.
Não é o sofrimento que dignifica o homem, mas o modo como ele o acolhe. Não é a certeza que dá força, mas a capacidade de suportar o incerto. E não é a busca por permanência que salva, mas a consciência de que tudo passa — e, ainda assim, vale a pena viver com atenção.
Há um instante em que cada um deve decidir se continuará perseguindo ilusões ou se aceitará, finalmente, viver sem garantias. Essa escolha define o grau de humanidade que somos capazes de sustentar.
O mundo continuará a oferecer distrações, teorias, ideologias, sistemas de salvação. Mas a única sabedoria que não envelhece é a de quem, diante de tudo isso, conserva o olhar limpo e o coração atento.
Lembre-se, permanecer humano não é um estado, é um exercício contínuo. É resistir à tentação de transformar a vida em mecanismo e aceitar que, por trás de toda tentativa de controle, há sempre o medo do vazio.
Ser humano é viver em paz com esse vazio — e aprender, nele, a escutar a voz do que é verdadeiro.
Com meu forte abraço.
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