A Lentidão que Nos Foge



Há algo de profundamente moderno na ansiedade por escrever rápido. Não apenas porque vivemos cercados de tecnologias que prometem abreviar o caminho entre o desejo e o resultado, mas porque nos tornamos incapazes de notar o que se perde nesse encurtamento. A pressa — tão celebrada na vida contemporânea, tão confundida com vitalidade — não produz apenas textos fracos. Ela produz, sobretudo, escritores frágeis: criaturas que imaginam ser a literatura um meio de ascensão pessoal, quando, na verdade, ela frequentemente funciona como antídoto contra qualquer fantasia de autopromoção.

O impulso de publicar cedo, de mostrar-se antes de formar-se, parece natural a quem cresceu acreditando que a vida é uma sequência de vitórias individuais exibidas diante de plateias invisíveis. Mas isso não passa de mais uma expressão do narcisismo moderno, a crença deslocada de que somos donos de nossas próprias criações, como se a imaginação fosse um território soberano. Esquecemos que muito do que desejamos escrever não emerge de nossa vontade, e sim de processos obscuros, lentos, que não obedecem ao calendário das ambições juvenis.

O jovem escritor — e aqui “jovem” não é idade, mas condição espiritual — acredita que a obra deve acompanhar seu ritmo, sua fome, sua ânsia por reconhecimento. Mas a literatura, como outras forças que moldam nossa vida, é indiferente às urgências humanas. Ela se move com a cadência própria dos fenômenos naturais: não responde ao entusiasmo, não acelera diante da impaciência, não se curva à vaidade. É por isso que a pressa é tão devastadora. Ela tenta impor ao texto a lógica da carreira, quando o texto pertence à lógica da contingência.

A disciplina literária, tão frequentemente confundida com produtividade, não é uma técnica de eficiência, mas uma forma de humildade. Ela consiste em reconhecer que a imaginação não opera segundo o comando da vontade. Exige que o escritor retorne ao que escreveu não para confirmar seu brilho, mas para descobrir os equívocos mais óbvios — equívocos que apenas o tempo revela. Quem escreve diariamente não o faz para cumprir uma meta, mas para aceitar, de modo reiterado, que a obra está sempre aquém do impulso que a iniciou.

O trabalho paciente — esse que se esconde nos silenciosos rituais de reler, cortar, reescrever — nada tem de heroico. Pelo contrário: ele reduz nossas pretensões, mostra-nos o quanto depende do acaso aquilo que chamamos de “estilo”. Talvez seja essa a lição mais difícil de aprender: por mais que nos esforcemos para dominar a escrita, há um elemento irredutível de imprevisibilidade no ato de compor. O escritor disciplinado não tenta eliminá-lo; apenas se dispõe a conviver com ele.

Vivemos numa época em que todos são incentivados a expor seus rascunhos — como se a visibilidade fosse condição da existência. Nesse ambiente, guardar um texto é quase um gesto de rebeldia. Mas é no segredo, e somente nele, que as frases começam a perder o brilho enganoso da primeira euforia. Longe do olhar alheio, o escritor é forçado a enfrentar o que realmente escreveu, não o que imaginava ter escrito. O tempo age como um dissolvente das ilusões.

Aqueles que Flaubert, Mann ou Tchekhov parecem exemplificar não são modelos de perfeccionismo, mas de paciência. Eles sabiam que a maturação da obra não responde ao desejo de urgência — e que a disciplina não é garantia de grandeza, apenas um modo de não atrapalhar demasiado o trabalho que a imaginação tenta realizar em silêncio. Em última análise, escrever é suportar a lentidão, suportar a própria insuficiência, suportar a frustração de não corresponder às ideias que nos inspiraram.

O paradoxo é evidente: a modernidade nos prometeu libertação, autonomia, autoexpressão. Mas, no domínio da escrita, quanto mais perseguimos esses ideais, mais nos aprisionamos na vaidade. Desejamos provar talento antes de tê-lo; buscamos reconhecimento antes de termos algo a reconhecer. A pressa é apenas a forma literária dessa ilusão de controle — e, como todas as ilusões modernas, ela nos abandona assim que encontramos a primeira resistência real.

A lentidão, ao contrário, não seduz. Ela não garante nada: não assegura um grande livro, não protege ninguém do fracasso. Contudo, ela tem uma virtude que poucos admitem: devolve-nos à realidade do processo criativo, onde a vontade é apenas uma entre várias forças em jogo. O escritor que abraça essa lentidão aprende que a disciplina não é um caminho para o sucesso, mas uma maneira de habitar a própria ignorância com menos desesperação.

Se há um convite sensato a fazer ao escritor ansioso — e “sensato”, aqui, no sentido tão frequentemente melancólico que costumo escrever — é este: abandone a crença de que a literatura recompensa quem se apressa. Ela não recompensa ninguém. E é justamente por isso que vale a pena dedicar-se a ela. Não como instrumento de afirmação pessoal, mas como exercício de lucidez diante de nossa própria insignificância.

Ao desacelerar, você talvez descubra algo que vinha tentando evitar: que a escrita é menos um meio de apresentar-se ao mundo do que uma oportunidade de desaparecer por algumas horas. Não há triunfo nisso — apenas um reconcilhamento possível com o ritmo que a obra exige. E, nesse pequeno pacto com a lentidão, nasce a chance de que alguma verdade — sua, do texto, do mundo — possa enfim emergir.

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