A rivalidade política que torna direita e esquerda indistinguíveis

Como a lógica mimética e a obsessão pelo inimigo fazem com que esquerda e direita repitam os mesmos vícios na guerra cultural contemporânea.



A política contemporânea costuma ser descrita como uma colisão entre projetos incompatíveis, mas a imagem é enganosa. O que vemos não são forças opostas movidas por convicções distintas, mas reflexos que se perseguem mutuamente, cada qual convencido de sua própria singularidade. A rivalidade moderna – como qualquer rivalidade suficientemente intensa – dissolve diferenças reais e produz versões cada vez mais similares dos antagonistas. Nada é mais eficaz para uniformizar os humanos do que o desejo de provar que não se é igual ao inimigo.

O fenômeno não é novo. Sempre que grupos se dedicam mais a cultivar hostilidades do que a sustentar ideais, seus princípios tornam-se instrumentos de competição moral. A política deixa de ser um campo de deliberação e se converte num teatro de pureza, no qual cada lado tenta reivindicar para si a posição de vítima virtuosa. As crenças proclamadas são menos importantes do que a necessidade de demonstrar superioridade – não diante do mundo, mas diante do rival. Assim, posições que deveriam expressar visões de sociedade tornam-se apenas marcadores identitários, trocados e descartados conforme a conveniência psicológica do momento.

A ironia é que, ao insistirem nessa lógica mimética, os adversários se transformam naquilo que dizem combater. Os defensores da liberdade recorrem ao controle; os partidários da justiça adotam expedientes que corroem o próprio conceito de justiça; movimentos que surgiram como crítica à opressão reproduzem os mecanismos que denunciavam. A única constante é a convicção de que a própria violência, quando praticada, é exceção justificável – e que a cometida pelo outro revela sua essência diabólica.

Quando sociedades inteiras passam a interpretar seus conflitos em termos de bem contra mal, a vida pública deixa de ser plural. Não há espaço para lidar com divergências, apenas para eliminar o portador do erro. As instituições tornam-se ferramentas a serem capturadas, não arenas neutras; e a linguagem política se reduz a uma lista interminável de acusações morais. Em tal ambiente, a busca por coerência é substituída pela necessidade de reafirmar pertencimento: a verdade importa menos do que a confirmação de que se está do lado certo.

O mais revelador é a facilidade com que cada um identifica o autoengano do outro, mas permanece cego ao próprio. É simples perceber quando o adversário veste princípios para disfarçar ressentimentos; é infinitamente mais difícil admitir a trave no próprio olho. E, no entanto, a simetria entre os rivais não depende de suas doutrinas, mas das emoções que os movem. O que se proclama como luta por valores é, com frequência, apenas pânico moral travestido de virtude.

Se há alguma lição nesse espetáculo, é que a ilusão de superioridade é sempre corrosiva. Ela destrói não apenas a convivência, mas também a capacidade de autoconhecimento. Nenhum lado se reconhece no outro, embora ambos procedam segundo a mesma lógica de exclusão e ressentimento. A obsessão pela diferença produz unicamente semelhança.

A saída, se existe, não reside em reivindicar uma posição acima da contenda. Essa pretensão é apenas mais uma forma de rivalidade. O máximo que se pode fazer é reconhecer a tentação constante de transformar convicções em armas e perceber que grande parte do que chamamos de idealismo é apenas desejo de dominação sob outro nome. O fracasso em admitir isso não nos torna piores do que os nossos adversários — apenas indistinguíveis deles.

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