O erro que venceu


Há crenças que sobrevivem não porque sejam verdadeiras, mas porque respondem a uma necessidade mais profunda do que a verdade. Entre elas, poucas foram tão fecundas quanto a convicção de que a história caminha para um desfecho redentor. A escatologia cristã, tal como formulada por Paulo, não foi apenas uma doutrina religiosa: foi um erro colossal, e precisamente por isso moldou o mundo. O erro de supor que o tempo humano possui direção, sentido e finalidade. O erro de acreditar que a injustiça acumulada da existência será compensada por um juízo final. O erro — talvez o mais persistente — de imaginar que o sofrimento tem um porquê.

Paulo não inventou o fim dos tempos. Herdou-o do judaísmo apocalíptico, saturado de derrotas políticas e humilhações históricas. O que ele fez foi mais radical: universalizou o fracasso. Transformou a frustração particular de Israel em destino da humanidade. Ao proclamar que o Messias já viera e que o mundo estava prestes a acabar, Paulo operou uma inversão decisiva. O futuro deixou de ser uma continuação do presente e tornou-se sua negação. A vida comum passou a existir apenas como intervalo — um tempo emprestado antes do colapso definitivo.

Nada disso se cumpriu. O mundo não acabou. Os mortos não ressuscitaram. O Cristo não voltou para separar os bons dos maus. O que permaneceu foi a expectativa frustrada, transmitida como herança cultural. As gerações seguintes ajustaram a doutrina, diluíram a urgência, espiritualizaram o apocalipse. Mas o núcleo permaneceu intacto: a ideia de que a história tem um sentido moral, e que esse sentido será revelado no fim.

John Gray observa, com razão, que as ideologias modernas são versões seculares dessa escatologia falhada. O cristianismo prometia o Reino de Deus; o Iluminismo prometeu o progresso; o marxismo prometeu a sociedade sem classes; o liberalismo promete um mundo governado por direitos universais e mercados racionais. Todas compartilham a mesma estrutura: um presente intolerável, um futuro redentor e um mecanismo — seja a graça, a razão ou a revolução — que garante a passagem de um ao outro. Quando falham, como sempre falham, não são abandonadas. São reformuladas.

Paulo acreditava sinceramente que o fim estava próximo. Essa crença não era metafórica nem simbólica. Era literal. Ele esperava estar vivo quando o mundo terminasse. Essa convicção moldava tudo: sua urgência, sua intolerância, sua indiferença às instituições existentes. Se o tempo estava se esgotando, não havia motivo para reformas graduais, nem para compromissos com a ordem estabelecida. A conversão que ele exigia não era moral, mas ontológica. Não se tratava de melhorar a vida; tratava-se de abandoná-la.

O paradoxo é que uma doutrina fundada na iminência do fim produziu uma civilização obcecada com o futuro. Ao contrário dos gregos, para quem o tempo era cíclico e a tragédia inevitável, os herdeiros de Paulo aprenderam a esperar. Esperar justiça. Esperar redenção. Esperar que o sofrimento fosse provisório. Essa espera não tornou os homens mais sábios, mas mais impacientes. Quando a salvação não veio do céu, tentaram arrancá-la da terra.

A modernidade não rompeu com o cristianismo; apenas trocou seus símbolos. Onde Paulo via o Cristo ressuscitado como garantia do fim, os modernos veem a ciência, a tecnologia ou a democracia como garantias de um futuro melhor. Mas o impulso é o mesmo: a recusa em aceitar que a condição humana não tem solução. Que não há ponto final onde as contas serão ajustadas. Que a dor não é um erro no sistema, mas o próprio sistema.

O ceticismo moderno, quando é honesto, não oferece consolo. Ele não promete libertação, nem progresso, nem iluminação final. Limita-se a constatar que a história humana é uma sucessão de tentativas fracassadas de escapar de si mesma. O cristianismo paulino foi uma dessas tentativas — talvez a mais influente. Ao prometer o fim do mundo, ensinou os homens a desprezar o mundo. Ao prometer uma vida futura, esvaziou esta de valor intrínseco. Ao anunciar uma justiça transcendente, tornou toleráveis injustiças muito concretas.

Nada disso exige que Paulo tenha sido um impostor. As ideias mais destrutivas quase sempre nascem da sinceridade. O problema não é a má-fé, mas a ilusão. E a ilusão central do paulinismo — de que a história caminha para um desfecho moral — continua operando, muito depois de sua base teológica ter se dissolvido. Vivemos entre os escombros de um apocalipse que nunca aconteceu, repetindo seus gestos, suas esperanças e seus fracassos, agora sem sequer o consolo da fé.

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